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Boteco do JB

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Month: April 2020 (page 1 of 3)

FAST FOOD BOSTA

mexendo no blog antigo, achei esse texto e resolvi compartilhar por aqui. não mexi em nenhuma vírgula, apenas mudei o título. espero que goste, até amanhã.

MÉQUI

por conta de um texto que escreverei sobre aquela que considero como a nova geração de fast foods senti a necessidade de retornar ao mc donald’s após algumas décadas. então omeprazol pra dentro e coragem.

embora a rede anuncie aos quatro ventos que se rendeu aos novos tempos, com produtos mais saudáveis, tais como sucos e frutas, não é nada disso que você vê no painel eletrônico que ancora os caixas. as estrelas das fotos são as de sempre. burgers, batatas, shakes, etc. vende-se o que se quer vender.

pedi um burger com queijo, cebola, molho e bacon, ironicamente batizado como macnífico e batatas rústicas. o caixa não pergunta o que você quer beber, mas sim qual o refrigerante? o mc donalds treina seus funcionários para vender o que interessa à lanchonete, não ao cliente. pois bem, o burger e uma coca zero, também um sundae, por favor.

ketchup? mostarda? tem que pedir. e claro que vem nos nojentos sachês que sabe-se lá em quais condições são armazenados. você já parou pra pensar que, enquanto tenta abrir o maldito com a boca, já que seus dedos engordurados não deram conta da tarefa, talvez ratazanas tenham bailado em cima dos tais durante a madrugada?

guardanapos? canudos? repousam discretamente ao lado do caixa, você só pega se lembrar. gentileza zero. olho na maximização do lucro e um eterno pau no cu do cliente que aqui faz mais o papel de vítima mesmo. ou otário.

33 reais, o total de minha compra. tem que ser ao menos razoável, não?

não. a carne do burger é indescritível de tão ruim. nunca comi sola de sapato, nem bosta de vaca. mas acho que se prensar essas duas coisas, congelar e torrar na chapa o resultado deve ser parecido. o blend de ketchup, mostarda e maionese – tudo industrializado, evidente – deixa a impressão de diarreia sobre o queijo de quinta categoria que gruda na carne como um stranger things da vida real. e o pão é tão massudo que poderia ser vendido no mundo cão do olivier.

uma das funcionárias jogou na fritadeira 3 pedaços de batata que caíram no chão. será que é por isso que a chamam de rústica? fato é que ela estava nojenta, com gosto indefectível, de maneira que não consegui comer nenhuma até o fim. usei a coca da mesma maneira que utilizei um dia que entupiu a pia aqui na cozinha de casa. só que no próprio corpo.

a quantidade de açúcar existente no sorvete do sundae é amoral, uma ofensa de ordem maior. também não deu pra encarar.

pelo menos a comida é companheira, fica por horas e horas fermentando no estômago. pelo menos até o momento que você vomite, o que fiz quatro horas depois, pro meu completo alívio. vomitar nunca foi tão bom.

quando é ruim, sempre é caro. e o dinheiro gasto no mc donald’s é um dos piores investimentos possíveis no tão famigerado mercado gastronômico, embora admito que até tenha harmonizado com o cenário de horror que é uma praça de alimentação de shopping.

óbvio que você vai onde bem entender. mas, se for ao mc donald’s, não me chame.

privilégio

saio de casa pra passear cachorro e fazer supermercado, sempre de máscara. noto que a população de rua aumentou de maneira impressionante no último mês. esses caras não tem proteção alguma e quem tem mais condições de ajudar parece querer mais que eles morram mesmo. igrejas e hotéis chiques seguem vazios enquanto seus responsáveis tiram os seus da reta e assistem a tragédia nas poltronas de seus camarotes.

a partir dessa semana os cadáveres ganharão nomes e não estou otimista em relação ao aumento de consciência do brasileiro médio, ainda mais enquanto esse lazarento continuar à frente do poder executivo falando as maiores barbaridades possíveis e estimulando o povo a sair pra rua. aliás, se não houvesse tal incentivo, não chegaríamos a essa conta que infelizmente deve aumentar ainda um bocado. então pode colocar a pilha de mortos na conta dele e chamar de genocida, sim.

agora, voltando às máscaras. o que tem de gente privilegiada as usando como se fossem tiaras ou babadores é brincadeira! nessa semana um desses que é meu conhecido tentou me cumprimentar, chegando a estender sua mão em minha direção. a reação mais educada que consegui foi a de apenas desviar dele, estabelecendo o mínimo possível de contato visual. sem paciência pra esse tipo de cretinice a essa altura da quarentena.

assim como parentes com tendências psicopatas também foram devidamente afastados das mídias sociais. felizmente não tive que lidar com a saia justa de alguém muito próximo ter esse tipo de comportamento. eu, privilegiado novamente.

pra atingir o mínimo grau de consciência, é preciso ter uma visão global de tudo que está acontecendo. como disse o gigante dráuzio varella, entre outras coisas, não é possível cobrar distanciamento social de quem tá na cadeia e vamos pagar caro por nossa imensa desigualdade social.

se você tem condições de ler esse texto, provavelmente também tem privilégios. saiba o que fazer com eles, não seja um pau no cu, honre sua existência.

conversa de botequim

ontem um grande amigo fez 51 anos. ano passado lançamos um livro juntos, no qual trocamos cartas, denominado como “de hoje não passa”. a responsabilidade de escrever com alguém cuja escrita admiro um bocado fez com que me esforçasse para que minhas parcas letras não passassem vergonha e acho que me dei razoavelmente bem na missão de cumprir a tarefa imposta por mim mesmo.

tanto que não tive vergonha em chamar um escritor do calibre de mário bortolotto pra escrever o prefácio e o gigante andré forastieri (aka forasta) pra fazer uma necessária apresentação minha.

claro que o retorno comercial não foi excelente, como era de se esperar. e, tudo bem. o importante pra mim é fazer o que gosto, independente do segmento de trabalho. se monetizar, o dinheiro é bem vindo. do contrário, paciência. a ideia é seguir essa fórmula, não tenho plano b. a essa altura da vida, enriquecer não é uma opção.

mas, voltando ao amigo. a data de celebração dos seus 49 anos estão registrado no livro em questão, numa das minhas cartas. e no ano passado o cinquentenário foi comemorado em belo horizonte, no meio da tour de lançamento do nosso adorável fracasso, entre muitos amigos queridos.

além de escrever, o que me dá mais prazer é viajar pelo brasil pra participar de mesas e divulgar meus livros, hábito esse que talvez seja difícil manter no novo mundo que se aproxima. londres? ficou ainda mais distante, bom que conheci antes. japão? ainda não desisti, mas essa é outra história.

já o rio de janeiro é onipresente na minha vida e enquanto for possível, livros serão lançados na folha seca, rua do ouvidor. por conta desse projeto de troca de cartas com o aniversariante de ontem, fui ainda mais à antiga capital cuja parte que mais me interessa é o tijukistão.

mas ontem o encontro foi virtual, via o tijuca connection comentado no blog nessa semana. nele edu lembrou de uma história que quem sabe um dia possa ser contada com suas próprias palavras numa futura derrota editorial:

moela à milanesa

luiz antônio simas é a única pessoa que conheço que tem o devido alvará pra celebrar o aniversário em pleno dia de finados. quando isso ocorreu em 2018 eu estava hospedado na casa de edu goldenberg, amigo nosso em comum.

a data seria celebrada num novo bar próximo à região portuária, num casarão lindo de dar dó. o rio de janeiro tem uma beleza obscena. não é cenográfico, é pornográfico.

simas tornou-se um fenômeno popular, o que é bom e mais uma prova de que não é só trabalho bosta que faz sucesso.

mas fato é que o lugar estava extremamente lotado. logo encostei num daqueles janelões querendo ser porta e fiquei a contemplar uma autêntica pelada na pracinha de frente ao casarão que aporta o bar. cresci em ambiente parecido, mas no lugar aonde moro não tem mais pelada.

edu tava demorando com a cerveja e foi quando me virei para a frente do salão, com o objetivo de encontrá-lo que o vi trocar gestos bruscos com um barbudo baixinho, trajado com camisa florida com no máximo três botões abotoados.

assim que voltou com a cerveja muito gelada, perguntei quem era o sujeito e também o assunto da conversa, que mais parecia uma discussão. e aqui cabe a observação que cariocas conversam assim mesmo, quase nunca é briga. edu me explicou que se trata do dono do bar e em seguida replicou o papo reto para mim:

aquele ali é o jb?

é, sim. é meu amigo e veio cumprimentar o simas.

caralho, edu! tu ta querendo me foder?! acabei de abrir o bar! ó, tá bom. mas faz assim. cê num deixa ele comer nada, hein? NÃO É PRA PROVAR NADA!

e o pior é que eu tava morrendo de fome. mas o que fazer quando o próprio dono do bar fala um troço desses? acabou que cumprimentei rapidamente o simas e fugi em direção ao rex, na rua do matoso, que faz o melhor frango assado da galáxia. todos caminhos levam à tijuca.

antes da ida, uma ocorrência. o próprio dono do bar, após provável insumo de pílulas de autoestima, me ofereceu um ousado petisco que tava muito gostoso. nem precisava de tanto temor. claro que voltarei e da próxima vez com calma.

feliz aniversário, edu! no próximo ano, juntos. que a pandemia não quebre essa tradição.

eterno retorno

ontem foi igual a hoje que tem tudo pra ser bem parecido com amanhã. viver na quarentena se tornou um eterno feitiço do tempo.

além de quietude é inevitável que o período traga reavaliações de juízo, metas e do que realmente se quer da vida. é como se estivéssemos naquela semana que antecede o réveillon, só que sem comemoração depois.

bem sei que sou um privilegiado e que minha vida nem mudou tanto assim. nunca fui muito chegado a festa e a tendência é que fique – por vontade própria – cada vez mais sozinho.

mas uma coisa é ter esse estilo de vida como opção, outra é ser forçado a isso. qualquer pessoa com condições parecidas com a minha e o mínimo de condição social apenas fica em casa, se resume à própria insignificância.

aliás, pedir pras pessoas ficarem em casa é absolutamente inútil. quem pode e tem um mínimo de consciência, fica. todo o restante, não. simples, assim.

a verdade é que o homem médio não muda, apenas envelhece e piora ainda mais. uma vez pressionado, pode até resgatar bem lá do fundinho de sua mísera alma um gesto de generosidade. mas, ao primeiro sinal de avançar, a sua abominável natureza volta a predominar. quem sobreviver à pandemia verá. egoísmo acima de tudo e todos.

embora talvez não devamos descartar a possibilidade do suicídio, acho que temos que ter real dimensão dos nossos papeis. um cadáver a mais na rua não ajudará em nada, muito pelo contrário. e quem não ajuda, não deve atrapalhar, não existe hora mais inapropriada para tal ato. se fizer muita questão de cair fora, é de bom tom adiar um pouco a decisão. se não por você, pelo bem coletivo. mais pra frente, se conseguir ter a sobriedade de analisar a questão mais a fundo, será inevitável a conclusão de que tal trampo não vale. não gosta da sua vida? espera um pouco lá no canto que já acaba, não se preocupe que logo o destino se encarrega em cumprir seu papel. nada mata mais que a tristeza.

fica em casa se puder e quiser. mas, se puder e não quiser, não me procure.

200 MINUTOS

me comprometi a fazer 3 coisas durante a quarentena.

a primeira é atualizar esse blog assim que acordo, tarefa cada vez mais difícil, dada a falta de material, já que estou ainda mais parado. e, sobre a pandemia, há profissionais mais qualificados que eu para você se informar. inclusive indico a bárbara coluna de hoje do dráuzio varella, monstrão das letras e um humano maior.

a segunda é revisar o livro de receitas crônicas (em homenagem à nina horta) cuja data original de lançamento é agora pra junho. tava com meu dinheiro todo reservado pra dar bom rolê de divulgação pelo brasil, ainda maior que a publicação anterior, festejada em 7 cidades. infelizmente é quase certo o adiamento da coisa toda e a reserva poupada no momento tem sido um tanto útil para efeito de sobrevivência nesses tempos sem renda alguma. a ver.

já o terceiro compromisso é curioso. há cerca de um mês eu e um amigo descobrimos uma maneira de nos comunicarmos via aplicativo audiovisual que pode ser instalado no aparelho telefônico e também no microcomputador.

a razão da existência do recurso é que através dele é possível a realização de uma conversa entre várias pessoas. e o melhor, sem aproximação física, algo como um balcão de bar virtual. no segundo dia, já éramos 3 e hoje estamos em mais de 10 pessoas e alguns cachorros, sendo que a média presencial é de 7 humanos por noite.

o tijuca connection ocorre cerimoniosamente todas a noites, às 22h, sem nenhuma transmissão. no elenco pode pintar renomados jornalistas esportivos, boêmios cariocas, o dono de uma das livrarias mais charmosas do brasil, um talentoso ilustrador mineiro e aquele que considero como o único historiador brasileiro que consegue transmitir cultura acadêmica de maneira fluente, falando a linguagem das ruas. políticos também podem aparecer e é esperada pra essa semana a participação de um famoso menestrel brasiliense radicado naquele bairro em que o comedor de paçoca baiano é flagrado estacionando seu carro.

existe pelo menos uma coisa em comum na nossa fauna. todos concordamos que passamos por uma fase de anormalidade, sendo que isso posto nenhuma cobrança cotidiana tem legitimidade. acho que também é senso comum que o momento implora por quietude, já que é impossível prever exatamente o que será considerado como normal no mundo novo que está por vir. sem chão firme, sem planos.

a bebida alcoólica em quantidade abissal consumida predomina nos 5 blocos de 40 minutos no programa que segue diariamente no ar há quase um mês. há vinho, cerveja, whisky, cada um no seu quadrado. em 3 dias matei um garrafão de 1.800ml de shochu de batata doce, mas também bebo outras coisas, dependendo do estado de espírito.

que cada um ache sua válvula de escape nessa época tão difícil que felizmente passará. se puder, fica em casa.

déjavù sando

aprendi tudo que sei sobre sake e shochu com alexandre tatsuya, da adega de sake. sou aluno da segunda turma do seu curso e fui freguesão da loja que manteve com seu pai por muitos anos na liberdade. aliás, lembro bem do super prejuízo que dei na noite da aula, quando ele teve que substituir garrafas menores por aquelas grandonas, que lembram as magnum de vinhos.

a amizade etílica, iniciada no balcão do incrível izakaya issa, é mantida até hoje. embora atualmente nos vejamos pouco, ele ainda conserva como hábito a imensa gentileza de enviar pra mim uma garrafa de bela bebida todos anos, na data do meu aniversário, lamentado em 31 do 12. sua bebida anestesia a derrota, a tornando mais amena, com aquela nota de prazer que só o bom polimento do arroz pode proporcionar.

mas voltemos um pouco. no início desse milênio nossa famigerada moeda não era tão banalizada e bebidas que hoje alcançam alto preço final de venda chegavam aqui por valor acessível. do outro lado da rua com nome de locutor esportivo ficava o primeiro endereço do bueno izakaya, onde batia cartão. sempre pegava uma ou duas garrafas de shochu na adega, atravessava a rua e bebia com os meus naquele balcão que fez história na cidade. foram belas noites.

antes das noites, as tardes em que experimentávamos todas as bebidas que chegavam na adega, enquanto os filhos do adegão – como assim ficou conhecido comercialmente – cresciam brincando no meio de caixas de papelão. se batesse aquela fome pré-izakaya, pegávamos alguma comida do seu pai, que fazia, entre outras coisas, um impecável karasumi.

foi numa dessas saudosas tardes etílicas em que talitha – nem sempre estávamos só eu e adegão, aquela loja era uma festa! – se espantou com minha ignorância:

– como assim, você nunca comeu tamago sando? – me perguntou, enquanto já solicitava uma unidade do bendito sanduíche com o velho que não falava sequer uma palavra em português, embora nutrisse por mim certa simpatia que facilitava nossa gloriosa tentativa de comunicação.

afeto à primeira mordida. em um minuto era como se tivesse crescido comendo esse sanduíche feito pela batchan que nunca tive. desde então me viciei na parada e senti muito quando adega e izakaya mudaram de endereço. viver também é ver a cidade que você gosta morrer e ressuscitar numa esfera inalcançável, pois não há mais tempo para redimensionar certas experiências.

mas a vida, por mais tediosa e previsível que seja, por vezes prega ciladas que podem levar à sensação de déja-vù e nessa semana notei que um jovem amigo e caprichoso cozinheiro saiu do lugar em que trabalhava – um maravilhoso izakaya localizado onde era uma pequena igreja evangélica, mas essa é outra história – e está fazendo alguns sanduíches em sua própria casa para entregar. entre eles, olha só, tamago sando. o pão é produzido por virgínia oda e o resultado do conjunto final tem alto nível, como era de se esperar. além do tamagô (ovo, em japonês), ele entrega outras variáveis de sando (o estilo do sanduíche), como a versão com karê, que ainda pedirei. inclusive na semana que vem tem empadinha com esse recheio.

daí que agora há pouco fui acordado pelo toque do interfone acionado pelo simpático entregador que trouxe meus dois pedidos: um tamago sando e um karaaguê sando. a cuidadosa embalagem recomendava consumo imediato e assim o fiz, não sem antes pegar antes no bar uma garrafa de belo shochu para acompanhar. meu impecável desjejum resgatou memórias e embora a quarentena peça quietude atemporal às vezes o saudosismo se apresenta de maneira arrebatadora, implacável.

tenho certeza de que já deixei bem claro o quão o sanduíche é bom e não me estenderei mais sobre o assunto. apesar de sempre achar que é fácil googar pra achar o endereço, abrirei mão da estética do texto pra dar a letra de como se faz o pedido, se assim for do interesse de alguém: só ir no instagram e procurar por @amo_te_sando. lá tem também um número telefônico e todas coordenadas.

ajude o pequeno comerciante e, se possível, fica em casa.

tainá

como fecho o post anterior falando sobre tainá marajoara e seu excelente trabalho de sustentabilidade possível, nada mais justo que replicar o texto sobre a maravilhosa belém do pará, em que dou justo destaque a ela, nossa maga das panelas. três comentários entre aspas no meio do texto completam a postagem. que saudades de belém e da tainá!

vem pra belém, meu bem

a real é que eu morria de vergonha por não conhecer belém do pará, ainda mais na condição de quem trabalha desde a infância com comida no brasil, esse imenso país de dimensão continental.

mas antes tarde do que nunca. pra lá me mandei e voltei deveras encantado com aromas e sabores da cidade. não vejo a hora de voltar. come-se bem em nível absurdo, inclusive na rua.

começando pela família castanho, exemplo de ótima restauração. ativa há dezoito anos no mercado, hoje comanda o remanso do peixe – onde tudo começou – sob a batuta do mestre chicão, homem de talento que envelhece com impecável dignidade enquanto seus filhos thiago e felipe voam baixo no remanso do bosque, restaurante mais moderno, porém com um pé na tradição, onde se come algumas releituras e também um suculento filhote na brasa. mas e o tacacá, thiago? ah, isso se come melhor na rua. quer alguns endereços? mais respeitoso, impossível. pra beber, destaque para a irrepreensível carta de drinks elaborada por kennedy nascimento e também a cerveja com manga da casa. como nada é perfeito, o café poderia e deveria ser melhor cuidado. após tantas boas impressões, a cápsula que patrocina helena rizus destoa um bocado.

{ infelizmente o remanso do bosque fechou durante a pandemia de coronavírus. mas logo os irmãos castanho abrirão outra casa, o que é uma bela desculpa pra voltar }

mas é na rua que fica o mercado ver o peso, monumental patrimônio do estado. tive a honra de visitar bem direito por duas vezes, chegando de madrugada e acompanhando a chegada do açaí e de inúmeros peixes cuja imensa maioria jamais havia visto. as frutas que chegam cansadas na região sudeste com o constrangedor rótulo de exóticas, lá são frescas e naturalmente locais. bom garimpo nos leva aos boxes certos para compra-las. a mera lembrança das castanhas provadas lá me faz salivar e até ótimo tabaco tem. falando nisso, não posso esquecer de levar o rapé amazônico que trouxe pro meu amigo mário bortolotto.

{ descobri posteriormente que trouxe o rapé errado, passei vergonha. como se vê, o que não falta é motivo pra voltar o quanto antes }

existe uma curiosa disputa por quem serve o melhor peixe frito. comi alguns e meu preferido se serve na dona caralha, vulgo biras bar. recomendável chegar por volta das 19h, tempo suficiente pra bater fome após o clássico e chuvoso tacacá das 17h.

um dos principais motivos que me levou a belém foi a moça que atende por tainá marajoara. a primeira vez que ela me chamou a atenção foi no caso da casa das onze janelas, quando com muita classe expulsou de seu território aquele famoso chefe de três corações, que vende a própria família em reclames de caldo de galinha azul industrializado.

{ o trampo de tainá sempre foi um soco de esquerda na cara de chefs como alex atala, henrique fogaça e erick jacquin, cujo lema parece ser “dinheiro na mão, calcinha no chão”. isso não mudou. }

após breve contato virtual, a conheci pessoalmente em são paulo, no parque da água branca, na feira anual de orgânicos organizada pelo mst. me chamou muito a atenção o fato dela fazer compras no local. foi nesse momento que vi que já tinha passado da hora de conhecer belém.

em seu espaço de cultura alimentar, o instituto iacitatá, não há lugar pra nenhum ingrediente industrial. com predominância em orgânicos, absolutamente tudo tem procedência registrada. farinhas do mestre benê, cacau de uma ilha próxima, peixes fresquíssimos, etc.

os almoços servidos de segunda a sábado eram minha maior curiosidade. pois se o rango servido fosse ruim, o discurso politicamente correto cairia por terra, pelo menos pra mim. mas acontece que tainá marajoara cozinha como uma feiticeira, uma demônia, no melhor sentido da expressão. puta que pariu.

a combinação de pouquíssimo sal, zero açúcar, muita técnica e ingredientes formidáveis proporciona uma refeição inesquecível, com destaque para a delicadíssima maniçoba – na noite anterior tinha comido o mesmo prato no lá em casa, restaurante abominável que, embora tenha um passado de respeito, hoje mais lembra uma praça de alimentação de shopping, tanto no ambiente quanto na gororoba servida – e o formidável bolo de chocolate.

alquimista da vida, tainá marajoara transforma utopia em realidade, provando a essa meia dúzia de bunda mole de cheffinhos vendidos pra produtos bosta que é possível viver com dignidade, desde que se tenha vergonha na cara e não se tenha preguiça. seu trabalho é impressionante e só por isso a viagem já vale a pena. se você tiver a mínima condição, pegue a condução mais próxima possível e vá.

até breve, belém. foi do caralho.

cacique maravilha

publico sobre gastronomia etílica desde 2007 e já mantive outros dois sites, antes de ter a ideia desse blog. como tem sido um tanto difícil atualiza-lo diariamente, republicarei alguns textos antigos. abrirei com o sobre um lugar que tinha inaugurado há pouco tempo. um motivo especial me levou tal escolha. acho que esse perfil de restaurante é tudo que não precisamos para o novo mundo que se aproxima. não mexi sequer uma vírgula, mas acrescentei duas notas no meio do texto. até amanhã, se cuide.

currupaco

o restaurante mais humano e respeitoso que já conheci foi o de tainá marajoara, em belém do pará. lá todos ingredientes tem (boa) procedência, só perguntar. lembro de ter brincado com ela, falando algo como se a comida fosse ruim, esse discurso cairia por água abaixo e eu mandaria um x-dengue na rua.

acontece que tainá é séria, talentosa, cozinha como um demônio e é aí que o discurso se banca.

pois bem.

há poucos meses abriu na vila madalena um lugar chamado corrutela, do esforçado pesquisador cesinha, sujeito agradável que tive o prazer de conhecer há alguns anos. fui lá conferir a parada. não uma, mas duas vezes.

só entendi porquê o salão é tão desconfortável, no pior estilo para ver e ser visto, quando soube que o arquiteto é o mesmo da abominável casa de bonecas do vizinho e filho do dono do ráscal. e aí o discurso sobre sustentabilidade já soa um tanto estranho.

{ arquitetos, dentro de suas limitações técnicas, apenas tentam executar as ideias do cliente, que sempre dá a palavra final. não é legal dividir a responsabilidade sobre a bosta feita, como assim o fiz. errou quem fez más escolhas e aceitou de boa o projeto. }

a desastrosa equipe de salão faz de tudo para não atender com simpatia a clientela, essa que por sua vez parece gostar do não atendimento, já que tem lotado o lugar. que pesadelo é ter um restaurante.

já a estrelada equipe de cozinha é de boa e procura atender com eficiência o que o chefe propõe. pena que os garçons se esforçam pros clientes não sentarem nas cadeiras atrás do balcão de frente pros cozinheiros, único lugar legal da casa.

a comida? voltamos ao ponto do primeiro parágrafo. não adianta nada ter moinho pro pão, se o mesmo é tão pesado quanto a bateria do quarto álbum do black sabbath e nem assado direito é. entre os principais, quase tudo é asséptico e as sobremesas são uma catástrofe. só não é pior que a boutique ralston e o lugar daquele senhor que não vê cara, mas tem 3 corações. ah. também não é tão ruim quanto qualquer coisa já feita por aquela ex modelo que agora atua pela nespresso.

ou seja, muito pelo baixo nível do jogo, admite-se que o corrutela nem é tão horrível. na verdade, até pelo pouco tempo de vida, torna-se promissor, embora tenha que melhorar o serviço de café imediatamente. e já dá pra beber os drinks da ótima carta do danilo nakamura. importante mencionar que a azeitona é bem boa. de maneira que por enquanto acertaram com o bar e o fornecedor de azeitonas. parece pouco, mas não é. a maioria não chega a tanto.

{ a boa carta de cocktails foi retirada um pouco depois da publicação do texto e não se tem notícia que o restaurante tenha cumprido promessa alguma. paguei de otimista e errei a previsão. }

aliás, o que enche profundamente o saco nem é o restaurante, que acabou de abrir e espero que se torne bom, mas sim a cambada de entusiastas carrapatos que contaminam as redes sociais com elogios descabidos, atrapalhando inclusive o provável desenvolvimento do trampo dos caras. que o querido chefe saiba filtrar os elogios falsos, tapinhas nas costas, as críticas construtivas e tudo o mais que envolve a complicada operação na qual se meteu.

fenômeno parecido tem ocorrido com o universo dos vinhos. não basta ser bom, tem que ser natural, biodinâmico, etc. por muitas vezes nem bom precisa ser, se é politicamente correto e fede a suvaco de chimpanzé do himalaia já tá valendo, não importa se é um produto com defeitos.

toda iniciativa orgânica sustentável é bem vinda e será aplaudida por esse escriba, desde que não esqueçamos da boa mesa, com comida gostosa e bebidas de qualidade. aprendam com tainá marajoara.

1983

me dêem Mário Sérgio e seremos campeões do mundo.

assim disse valdir espinosa, técnico do grêmio, numa jogada de gênio, jogando toda a responsabilidade na diretoria, se perdessem o título. aposta de risco alto?

porra nenhuma. assim como sócrates se preparou fisicamente pra Copa de 82, o grande camisa 11 jogou a partida de sua vida no auge. aliás, defendo a tese de que se ele fosse pra copa – e era pra ir, a convocação de éder foi surpresa de última hora. – o resultado seria outro. éder era um grande jogador, mas Mário Sérgio Pontes de Paiva foi um gênio.

o que houve em tóquio? permita-me breve parágrafo sobre a histórica noite. a grande real é que enquanto os alemães marcaram severamente um ex jogador em atividade, só por ser tricampeão mundial, deixaram o nosso errante herói livre durante o jogo inteiro, dando toda condição para o artilheiro do time brilhar. nessa noite deu-se tanto o auge do clube quanto do vesgo.

aliás, vesgo é o cacete! seu olhar era fruto de técnica e malandragem. quem inventou a jogada de olhar pra um lado e tocar pra outro foi ele e não ronaldinho gaúcho, que pegou a manha após tanto ver tapes daquele que jogava tão bem na ponta quanto na meia-esquerda. hoje é ponta de lança que chama? que erro, telê!

infelizmente a diretoria do clube agiu de maneira medíocre e não o contratou, assim como telê não o levou pra copa e o são paulo o mandou embora antes de entregar de bandeja o bi campeonato paulista para a democracia corintiana, quando esse campeonato ainda valia mais que meros dois centavos.

falando no tricolor paulista, waldir peres me contou aqui em casa – tive a honra de entrevistar o arqueiro herói, mas essa é outra história – detalhes da noite em são josé em que o camisa 11 se consagrou como rei do gatilho, numa época bem distante dos dias de hoje, em que armas de fogo são associadas a milicianos filhos da puta que chegaram no mais alto poder executivo do país.

hoje o foco da postagem é a conquista histórica do grêmio, mas outras histórias sobre aquele que foi o único a ser aplaudido pelas duas torcidas em um grenal não faltam. não à toa, pois pelo inter foi campeão brasileiro invicto em 1979, ao lado de falcão.

o que falta e cairia bem é uma boa biografia do célebre frequentador do jóquei club que ainda fez sucesso como brilhante comentarista de televisão e, por fim, teve subestimada carreira como treinador. os jogadores simplesmente não o entendiam, Mário Sérgio Pontes de Paiva era muito inteligente para a maior parte deles.

as gerações posteriores ao craque formam o puro creme da decepção, raras e necessárias exceções à parte. fato é que nunca mais teremos nada nem próximo ao time do camburão, comandado por ele no botafogo.

Mário Sérgio é legítimo herdeiro de heleno de freitas e símbolo de uma época em que os gigantes guerreavam em campo.

nunca mais haverá um jogador como ele.

arroz com feijão

quarentena sem fim, é preciso voltar a cozinhar, o que me traz lembranças. nessa semana fiz arroz e feijão, seguindo receita da minha saudosa mãe. claro que o resultado final não chegou aos pés do que ela fazia, mas a ideia era que ficasse apenas bem gostoso, o que não é pouco, de maneira que considerei o objetivo atingido.

um tanto de dificuldade pra lidar com medidas mínimas pra cozinhar receitas que me remetem a mesas com família compartilhando a fartura que hoje é tão difícil de ser encontrada, mas até que deu tudo certo.

sou de uma família de feirantes e feijão carioquinha nunca teve vez em casa. aprendi a seleciona-lo ainda na infância, quando era encontrado a granel nas barracas vizinhas, conforme sua sazonalidade. os tempos são outros, mas sigo atento com a qualidade de tudo que adquiro para minha cozinha. se não estiver bonito, prefiro escolher outra coisa. por sorte, achei um bolinha aceitável no mercado. é necessário diminuir um pouco a rigidez nesses dias mais difíceis.

também nunca tive panela de pressão, então deixei o feijão de molho na água por três horas, pra ajudar no cozimento. menos de duas horas em fogo baixo e estava lindo. numa frigideira à parte o tempero com cebolinha, toucinho defumado e alho, junto com um pouco do feijão amassado com a ponta do garfo, pra engrossar o caldo. joguei o tempero na panela, esperei mais meia hora e pronto.

enquanto isso, fiz um arroz agulhinha branco temperado com cebola branca refogada no azeite e me animei pra preparar uma farofa de milho flocado com lingüiça, salsinha e ovos caipiras.

tudo ficou delicioso e acho que valeu o trampo, até porque deu pra comer por 3 vezes seguidas. não gosto de congelar comida e felizmente isso não foi necessário.

mas não é nada disso que eu queria falar. a volta enorme foi pra chegar na pergunta a seguir, que é o que realmente importa nessa postagem…

arroz por cima ou por baixo do feijão?

claro que você come do jeito que bem entender e não sou eu que vou cagar regra dentro da sua casa. mas posso contar como faço na minha e explicar o motivo.

se o feijão for posto por cima, seu caldo matará todo sabor do arroz que foi temperado com tanto carinho, além de detonar sua textura. se for pra fazer assim, pra que deixar o arroz soltinho? não vai fazer diferença. aliás, se mantida tal disposição, talvez seja melhor mudar o nome do prato pra feijão no arroz. o ensinamento doméstico foi aprendido no comecinho dos anos 80 do século passado.

com lembrança de boa comida de mãe não se brinca.

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