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Boteco do JB

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déjavù sando

aprendi tudo que sei sobre sake e shochu com alexandre tatsuya, da adega de sake. sou aluno da segunda turma do seu curso e fui freguesão da loja que manteve com seu pai por muitos anos na liberdade. aliás, lembro bem do super prejuízo que dei na noite da aula, quando ele teve que substituir garrafas menores por aquelas grandonas, que lembram as magnum de vinhos.

a amizade etílica, iniciada no balcão do incrível izakaya issa, é mantida até hoje. embora atualmente nos vejamos pouco, ele ainda conserva como hábito a imensa gentileza de enviar pra mim uma garrafa de bela bebida todos anos, na data do meu aniversário, lamentado em 31 do 12. sua bebida anestesia a derrota, a tornando mais amena, com aquela nota de prazer que só o bom polimento do arroz pode proporcionar.

mas voltemos um pouco. no início desse milênio nossa famigerada moeda não era tão banalizada e bebidas que hoje alcançam alto preço final de venda chegavam aqui por valor acessível. do outro lado da rua com nome de locutor esportivo ficava o primeiro endereço do bueno izakaya, onde batia cartão. sempre pegava uma ou duas garrafas de shochu na adega, atravessava a rua e bebia com os meus naquele balcão que fez história na cidade. foram belas noites.

antes das noites, as tardes em que experimentávamos todas as bebidas que chegavam na adega, enquanto os filhos do adegão – como assim ficou conhecido comercialmente – cresciam brincando no meio de caixas de papelão. se batesse aquela fome pré-izakaya, pegávamos alguma comida do seu pai, que fazia, entre outras coisas, um impecável karasumi.

foi numa dessas saudosas tardes etílicas em que talitha – nem sempre estávamos só eu e adegão, aquela loja era uma festa! – se espantou com minha ignorância:

– como assim, você nunca comeu tamago sando? – me perguntou, enquanto já solicitava uma unidade do bendito sanduíche com o velho que não falava sequer uma palavra em português, embora nutrisse por mim certa simpatia que facilitava nossa gloriosa tentativa de comunicação.

afeto à primeira mordida. em um minuto era como se tivesse crescido comendo esse sanduíche feito pela batchan que nunca tive. desde então me viciei na parada e senti muito quando adega e izakaya mudaram de endereço. viver também é ver a cidade que você gosta morrer e ressuscitar numa esfera inalcançável, pois não há mais tempo para redimensionar certas experiências.

mas a vida, por mais tediosa e previsível que seja, por vezes prega ciladas que podem levar à sensação de déja-vù e nessa semana notei que um jovem amigo e caprichoso cozinheiro saiu do lugar em que trabalhava – um maravilhoso izakaya localizado onde era uma pequena igreja evangélica, mas essa é outra história – e está fazendo alguns sanduíches em sua própria casa para entregar. entre eles, olha só, tamago sando. o pão é produzido por virgínia oda e o resultado do conjunto final tem alto nível, como era de se esperar. além do tamagô (ovo, em japonês), ele entrega outras variáveis de sando (o estilo do sanduíche), como a versão com karê, que ainda pedirei. inclusive na semana que vem tem empadinha com esse recheio.

daí que agora há pouco fui acordado pelo toque do interfone acionado pelo simpático entregador que trouxe meus dois pedidos: um tamago sando e um karaaguê sando. a cuidadosa embalagem recomendava consumo imediato e assim o fiz, não sem antes pegar antes no bar uma garrafa de belo shochu para acompanhar. meu impecável desjejum resgatou memórias e embora a quarentena peça quietude atemporal às vezes o saudosismo se apresenta de maneira arrebatadora, implacável.

tenho certeza de que já deixei bem claro o quão o sanduíche é bom e não me estenderei mais sobre o assunto. apesar de sempre achar que é fácil googar pra achar o endereço, abrirei mão da estética do texto pra dar a letra de como se faz o pedido, se assim for do interesse de alguém: só ir no instagram e procurar por @amo_te_sando. lá tem também um número telefônico e todas coordenadas.

ajude o pequeno comerciante e, se possível, fica em casa.

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