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Boteco do JB

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Month: April 2020 (page 3 of 3)

barba e cabelo

cresci entre pessoas que iam toda sexta-feira santa em churrascarias para zombar do feriado religioso que comemora a suposta crucificação da personagem que chamam de messias. com o tempo, até a igreja católica passou a fazer vista grossa pra curiosa tradição de não comer carne. corpo de cristo para todos. no fim, o tiozão do churrasco venceu.

tiozão do churrasco que elegeu esse genocida energúmeno que no momento faz tudo que está ao seu alcance pra dizimar o povo brasileiro tal como, veja só, gado.

ontem tivemos absurdos 13 quilômetros de trânsito em são paulo, enquanto o governador de minas gerais ameaça reabrir o comércio.

a resistência ao isolamento só cessará quando a morte levar entes queridos de inúmeras famílias. e aí infelizmente a tragédia já estará maior do que deveria ser.

ontem a pessoa que cuida do que restou do meu cabelo e faz minha barba me mandou mensagem, se oferecendo pra vir em casa executar seus serviços, junto com a manicure. apenas recusei educadamente. como convencer uma pessoa simples que tem que ficar em casa, enquanto o ocupante do palácio do planalto incita todos a sair para a rua?

a barba? eu mesmo a fiz. numa madrugada dessas, peguei o velho barbeador do meu pai e mandei bala. curioso que nunca vi o velho usar o instrumento, ele preferia ia ao saudoso barbeiro da rua guaipá, vila leopoldina.

até cheguei a ir em algumas dessas barbearias modernas, que parecem se preocupar mais em oferecer uma cerveja ipa meia boca que com o próprio ofício. não me dei muito bem com esse segmento do negócio, não. descobrir a existência da neide – que só faz corte de cabelo masculino e também a barba – no salão do china, foi um achado. a ela confiei a tarefa de tirar da cara mais de dez anos de barba comprida e nesse lugar voltarei assim que acabar o confinamento. mas, por enquanto, fica em casa, neide. a manicure é a marlene e, em seu lugar, ficaria em casa também.

alheio ao catolicismo que nunca respeitei, hoje testarei uma receita de torresmo. se ficar bem boa, coloco no livro que pretendo lançar ainda nesse ano.

e você? o que fará nessa sexta, santa?

apesar de você

se tem uma coisa que a quarentena NÃO me desperta é a vontade de beber. mas tenho aberto exceção para conversas eletrônicas com dois ou três amigos numa espécie de suruba alcoólica cibernética.

o analfabetismo cibernético faz com que me divirta um tanto diante da possibilidade de olhar pros rostos de pessoas queridas por uma tela ao mesmo tempo. e o papo sempre é no mínimo razoável, nada como rir de nós mesmos. angústias são compartilhadas e memórias resgatadas. foi num desses breves momentos, por exemplo, que lembramos do jantar feito para o autor marcelo mirisola. arrumar assunto pro blog me ajuda um bocado, creia-me. especialmente nesses dias em que mal posso sair de casa.

entre os meus, ninguém consegue mais ler ou ver filme que presta. o livro que precisa de revisão? admito estar encostado. falta concentração, sobra nervosismo.

por acidente bobo, fiquei dez dias sem netflix. o que houve? viciei na reprise de uma novela global denominada como fina estampa, onde christiane torloni desfila toda pistolinha da estrela, sapateando na cara de sua rival, uma pobretona que logo mais ganhará na loteria. afinal, esse jogo precisa virar.

por aqui, na vida real, a grande notícia é que não houve segunda onda da pandemia em wuhan, onde ela foi identificada. quer dizer, pelo menos por enquanto. tudo é muito dinâmico e nada é garantido.

de qualquer maneira, a ecovid-19 parece estar bem longe de seu pico e infelizmente deve levar muita gente ainda, apesar do descaso do genocida que ocupa o palácio do planalto, cujo destino tem que ser a corte de haia, pra responder por seus crimes contra a humanidade.

se tivesse alguma fé, o que não é o caso, oraria. o que posso fazer é minha parte. espero que todos façam o mesmo, apesar do presidente.

ifoode

não sei que dia da semana é hoje. pra não enlouquecer, resumi a rotina a ontem, hoje e amanhã. tá de bom tamanho. minha rotina se limita a atualizar esse blog, ler um pouco, ver mais tv que gostaria, dar rápidos passeios caninos, cozinhar menos que gostaria e pedir comida de quem precisa se manter aberto. se acabar bebida, o que é pouco provável, também sei quem entrega da boa.

sempre que possível, driblo as grandes empresas de delivery que estão nadando de braçada na onda do corona, cobrando taxas abusivas ao extremo dos comércios e ficando cada vez mais milionários, dessa vez em cima de uma pandemia que dizima com crueldade boa parte da população global.

se você precisar de serviço de entrega – restaurante, mercado, drogaria, o que for – tenha a bondade de checar antes de que maneira o lugar em questão realiza o delivery com suas próprias forças. ajude, em especial, o pequeno comerciante.

sou de uma época que se pedia muita pizza por telefone. geralmente o dono da pizzaria que atendia, reconhecia a voz da freguesia e a chamava pelo primeiro nome ou até pelo apelido. ele sabia de cor o gosto pessoal dos mais fieis e dava uma pizza a cada dez compradas.

em que momento que os aplicativos nos emburreceram e qual é o tamanho do prejuízo financeiro e mental? quando foi que nos tornamos funcionários do smartphone?

claro que o milênio passado não voltará, a ideia não é publicar uma postagem de tiozão saudosista. bem sei que o passado é sobrevalorizado e o futuro menos provável a cada dia que passa. o que nos sobra é tentar nos virarmos para tornar o presente possível.

não proponho nenhum radicalismo, mas apenas que se use os tais apps com sabedoria. por mais que pareça que eles ofereçam uma infinidade de vantagens, basta um pouco de raciocínio pra ver que não é bem assim. além do mais, não estamos falando de gente boazinha. do contrário não precisaria da intervenção da justiça pra obrigar um desses miliardários prestar assistência para pobres motoboys infectados pela covid-19.

o cenário de hoje me lembra a putaria existente até o começo desse século, em que operadoras de cartões de crédito e débito disputavam entre si pra ver quem cobrava a taxa mais escrota. pouco tempo depois, quando o ticket-refeição saiu do papel em direção ao plástico, foi o mesmo caralho. até a situação se ajustar, muito dinheiro foi ganho pelos mesmos de sempre. e não é uma pandemia global que vai mudar a cabeça desses vilões sem o menor escrúpulo.

mas nós podemos fazer a nossa parte. você já cumprimentou o farmacêutico do seu bairro hoje? e já reparou que tem um bom fornecedor de água duas ruas pra cima da sua casa? aproveite o banho de sol nesses dias de necessário resguardo para ver o que ocorre de fato no seu pedaço, sempre mantendo a distância de 2 metros do próximo, claro. seja breve na saidinha e invariavelmente humano. se a derrota é inevitável, que seja do lado certo da força.

fica em casa, lave as mãos e evite os apps tóxicos.

sobreviveremos

as ruas do centro paulistano durante o dia se transformaram numa curiosa de versão de walking véio. os velhos querem mais é que se foda essa porra toda e não sou eu que vou brigar com eles. se você tem alguém próximo nessa posição, sugiro que tenha o devido tato com a comunicação. idoso não é débil mental e todos gostamos de ser bem tratados.

já a noite está dominada por figuras pouco amistosas oferecendo entretenimento que um ser urbano de médio porte pode não apreciar. como a recomendação da oms é pra ficar em casa, pra mim não faz muita diferença, mas temo um tanto pela saúde dos trabalhadores essenciais que estão voltando pra casa ou indo aos hospitais, etc.

dada a pouca locomoção, nunca fui tão aldeão. saio pra passear cachorro, fazer mercado e olhe lá. o resto do mundo vejo com preocupação pelo televisor e também pelas redes sociais, tomando o devido cuidado pra filtrar tanta informação que chega.

vi o jumento ocupante do palácio do planalto fazer políticos médios parecerem estadistas de grande porte. mas não são, tome mais cuidado com seu voto na próxima eleição. sei o quanto é difícil ter estômago pra lidar com cenário tão corrupto e incompetente, mas é necessário. olha o nível de barbárie onde chegamos. e sinto dizer que o poço está longe do fim.

tenho ouvido relatos de estrondos durante as madrugadas, daqui da república não ouço nada, mas espero que não seja prenúncio do tal meteoro que tantos torcem pela chegada.

fato é que o mundo nunca mais voltará a ser o mesmo. e a pandemia acaba, mas o homem fica. não sou entusiasta da ideia que sairemos dessa mais fortes, mas é inevitável dizer que sairemos diferentes.

por ora, foquemos na nossa sobrevivência. se você pode ficar em casa e não fica, saiba que age no mínimo com desrespeito.

portanto lave as mãos e fica em casa. lembrando que a meta sempre é ser a pessoa que seu cachorro acha que você é.

1 x 1

a passagem do cometa halley foi o segundo acontecimento mais importante do ano para os adolescentes da rua lauro müller, na vila hamburguesa, subdistrito lapeano.

só perdeu para a copa que mais me encanta até hoje, mais até que a de 82. zico bichado, sócrates absolutamente fora de forma, goleiro azarado, esquadrão nascido para perder. de vez em quando revejo brasil x frança, jogo que considero como um dos melhores de todas as copas. claro que talvez esteja errado, talvez minha rasa análise não passe de mero reflexo da nostalgia de uma decadência romântica.

voltando pro cometa, a real é que aquilo foi muito papo pra pouca visão, pelo menos na rua onde jogávamos bola com tanta devoção quanto alguns jogadores daquele ano tinham pelo copo cheio.

o foco na carreira de goleiro amador fez com que a frustração por não ter visto o cometa fosse menor. para o bem do futebol, abandonei as luvas pouco tempo depois, mas o cometa ficou na cabeça. prometi pra mim mesmo que em sua próxima passagem estarei vivo e inteiro pra ver direito essa porra, apesar de estar com quase 100 anos em 2061.

uma vez jovem, esqueci da promessa e pensei que não seria possível chegar nem nos 40. pensei em várias mortes possíveis, todas memoráveis para a história da humanidade.

claro que a vida seguiu seu previsível curso e isso não aconteceu. o que reavivou o projeto de ver o cometa.

a conta da meia-idade chegou com extra de obesidade mórbida e esclerose múltipla, mas tenho a impressão de que se conseguir passar por isso, o inverno da vida será mais de boa.

isso se a pandemia não me pegar. acho que ninguém contava lidar com esse tipo de problema.

tenho me cuidado, ficado em casa, saído o mínimo possível com o cachorro e até no mercado tô evitando ir. mas ontem fui garimpar bons tomates – raridade no centro paulistano – e um garoto espirrou em cima de mim, no corredor dos queijos industrializados de gosto duvidoso. pedir desculpas? pra que, se ele podia avançar com uma grosseira esbarrada, como se eu fosse seu adversário num jogo de futebol americano? era o que me faltava. logo eu, que já sonhei tanto com um final glorioso, morrer por causa de perdigoto de gente sem educação.

mas, ok. máscaras nucleares serão providenciadas e prometo ter ainda mais cuidado. por mim e também pelos colegas velhinhos daqui do prédio, que mais se assemelha a uma clínica geriátrica.

ainda tenho muito a perder e disso não estou nem um pouco interessado em abrir mão.

e você? onde quer estar quando o cometa voltar?

boca do lixo

madrugada de hoje, no intervalo do clássico arrastar de correntes, peguei uma cerveja e me sentei na varanda. pensei vagamente que o tempo cada vez mais fresco e menos poluído mostra que talvez tenhamos ido longe demais.

avistei na esquina da general jardim com a araújo uma prostituta discutindo rudemente com um traficante calçado com um par de sapato branco que combinava com seu jaquetão da mesma cor, vestido por cima de uma camisa vermelha, a calça era branca também. sei do seu ofício porque já me ofereceu drogas na frente da love story, ele. como era de se esperar, trocaram alguns elogios vitorianos e tudo certo. tive a paciência de ver até o final, pra confirmar que a chamada para a polícia não seria necessária. e não foi, é na rua que algumas pessoas se entendem.

essas que, por sua vez, se alguém mandar algo parecido com um fica em casa, mandarão o autor da sugestão à merda. muitas não tem pra onde ir e, se tem, trata-se de ambiente tão inóspito que acham preferível morrer na rua.

tenho o privilégio de morar (muito bem) na parte do centro hoje considerada como nova, graças a revitalização comercial do pedaço. mas pro lado da boca do lixo, onde profissionais do sexo seguem vendendo seus corpos por 30 coronas, o bicho continua pegando. aliás, nunca pegou tanto.

pra quem não sabe, a boca do lixo é o pedaço nos arredores da rio branco, onde cineastas brasileiros se consagraram nos anos 60/70. com a decadência da cena artística, chegaram puteirinhos populares, nada chique. quem queria algum glamour, tinha que ir na boca do luxo, em torno da nestor pestana, onde ficava a kilt, um lindo castelinho que o prefeito gilberto kassab derrubou aparentemente por puro moralismo bosta, já que até hoje não tem nada no lugar.

fato é que em ambas as bocas ainda existem casas de tolerância. a maior parte da já não tão nova geração não traz nenhum resquício do romantismo envolvido no milênio passado. mas segue lá, sobrevivendo bravamente num estado teocrático que não dá a mínima condição de trabalho para o negócio mais antigo da humanidade. detalhe. sabe o que tem entre as duas bocas? nada menos que uma enorme crackolândia a céu aberto.

que tem que ficar em casa os teoricamente bem informados já deveriam saber. a hora agora seria a de informar e dar assistência aos menos favorecidos. de transformar a infinidade de igrejas de pastores milionários em abrigos provisórios para profissionais da noite e adictos químicos.

mas, não. em vez disso, o criminoso que ocupa o planalto acha bacana instituir uma espécie de jejum religioso que vai do nada a lugar nenhum. queria mais é que ele se deslocasse até a estação da luz pra explicar o ato pra quem pratica jejum involuntário há tanto tempo.

todos vamos pagar pelas irresponsabilidades desse lunático. mas a conta sempre chega mais alta pra quem já não tem porra nenhuma.

será preciso esperar acumular uma pilha de cadáveres na duque de caxias para depor esse canalha?

qualé, bixô?

sem material pra colher lá fora, atualizar esse espaço tem se tornado mais difícil a cada dia que passa. felizmente uma boa conversa com dois amigos nessa semana (proporcionado por um curioso app, que permite a visualização de até quatro rostos ao mesmo tempo enquanto se conversa, como se estivessem num bar. impressionante como sou um jeca tecnológico) me inspirou pra escrever o texto de ontem, que considero um dos dois bem bons do blog. o outro é um resgate da adolescência e também gostei bastante colocar no papel a série sobre londres. independente da bosta dessa pandemia que nos isolou em casa, o passado sempre parecerá mais interessante. se repórter de guerra fosse, um monte de fato passaria batido e talvez os espectadores fossem submetidos a alguns noticiários vazios. o que, como entretenimento, não seria de todo mal. realismo fantástico para quem olha a tela como se fosse um aquário com peixinhos dourados.

tive dois aquários na infância, ambos de vida curta. manja aquele peixe bonitão um pouco maior que você compra pra incrementar o pretensioso mundo submarino criado por ti? então, ele comerá todos os outros. não é fácil brincar de deus, todos universos que criei falharam miseravelmente.

já com cachorros me dou bem, cuido deles desde muito cedo e boas histórias renderam a partir daí. a única vez em que comprei, fui enganado por dois criadores cretinos que se passavam por gente séria, mas me venderam dois seres (lindos!) que morreram muito antes do combinado, em razão de mais que suspeitas doenças raras. bem feito pra mim. não tem que comprar cachorro e pronto.

gatos nunca me interessaram, não vejo a menor graça, com todo respeito. quem aprecie que cuide bem deles e que sejam felizes juntos.

agora, se tem algo que me incomoda um tanto é quem opta por político de estimação, numa antropológica espécie de adoção ao contrário. esse foge geral à compreensão.

antes que alguém me encha o saco. sou militante do mst e tenho conhecidos políticos, sim. é natural que um movimento social desse porte tenha alinhamento à esquerda. e isso não me transforma em petista, esquerdopata, comunista ou coisa que o valha.

quem está no poder público tem que ser combatido mesmo. de preferência, com inteligência e dados. nem é tão difícil, se você não for uma toupeira.

falando em toupeira, aquela que cava algo que parece nunca ter fim, essa espécie colocou no palácio do planalto um bicho-preguiça com 30 anos de vida pública corrupta e sem sequer um projeto aprovado. culpa de quem estava no poder antes? não, não. até porque tínhamos outras opções de voto. e não devemos nos isentar de responsabilidade.

acontece que o mundo todo deu uma virada e entrou em estado de emergência em pouquíssimo tempo. o que o ocupante do palácio fez? incitou seu próprio povo a ir às ruas, exibindo seu monstruoso lado genocida sem a menor cerimônia. deve ser deposto e julgado em tribunal internacional, por crime contra a humanidade.

e você? que tal nunca mais manter um político de estimação, independente de sua ideologia?

por enquanto, se puder, fica em casa. pois as próximas semanas serão difíceis. tem alguma dúvida disso? ouça análises técnicas de profissionais da saúde.

mais ciência, menos opinião.

o autor

o rio de janeiro que aprecio fica muito além do breguíssimo balneário de turistas que curtem andar sobre areias incertas e se banham em águas mais que suspeitas. costumo dizer que não vou ao rio, mas sim à tijuca. inclusive cultivo boas amizades no pedaço.

eduardo goldenberg e flávia piana promovem jantares memoráveis na mansão de frente a uma praça com estátua do tim maia onde velhinhos boêmios passam a madrugada jogando damas. já tive a honra de cozinhar lá por duas ou doze vezes e a ideia do livro de receitas que quero lançar ainda nesse ano começou a ser desenhada lá.

numa dessas minhas idas o edu, que é muito amigo de aldir blanc, contou que o bardo da muda dizia pra ele com certa frequência que o escritor marcelo mirisola é uma espécie de montaigne brasileiro e que é personagem a ser conhecida.

eu conhecia o mirisola meio que de vista, do cemitério de automóveis, do meu grande amigo mário bortolotto, que depois viria a escrever o prefácio de um livro de troca de cartas entre mim e o edu.

– edu, e se fizéssemos um daqueles jantares e chamássemos o mirisola? – joguei a ideia.

– mas você o conhece? – me questionou um tanto incrédulo, o boêmio tijucano.

– se não o conhecesse, não teria feito a sugestão, caralho. – repliquei com elegância.

– porra! será uma honra. tomara que ele tope! – se empolgou, o amigo.

como o conhecia apenas de vista, não tinha seu número. mas sabia que ele estava morando no leme, de onde até já voltou. então mandei uma mensagem via rede digital para ele.

– mirisola, tudo bem? quem vos escreve é júlio, amigo do marião, já bebemos juntos por uma ou duas vezes no cemitério. então, estou na tijuca com um amigo que é bastante próximo do aldir, que acha que vocês tem que se conhecer. topa jantar hoje com a gente? – assim fiz o atrapalhado convite, pensando que ele nem responderia.

– opa! tem metrô até aí? – me respondeu imediatamente, o escritor.

– sim, estação na frente! às 21h é bom pra ti? – e já emendei com o endereço.

– fechado, até lá. muito obrigado pelo convite! – trocamos abraços virtuais e nos despedimos.

tínhamos poucas horas pra nos organizar. como estava hospedado na mansão, minha estação de cocktails já estava limpa e pronta. mas não conseguíamos pensar na comida. até que edu teve a ideia de chamar felipe quintans – alô, bar madrid! – e renata trigueiros, que se dispôs a preparar um verdadeiro banquete tijucano: carne assada com batatas coradas. melhor que qualquer coisa que eu fizesse. pra ficar ainda mais perfeito, flávia piana, confeiteira de mão cheia, fez um delicioso bolo. que venha a noite.

o montaigne brasileiro (apud aldir) nos presenteou com pontualidade britânica. de imediato fui para minha posição e preparei boa série de cocktails para nós. felipe e renata não demoraram muito a chegar e emendamos drinques com boas cervejas.

em algum momento o edu pegou 3 ou 4 livros e pediu pro mirisola assinar, um tanto sem jeito, o autor disse que precisava beber mais um pouquinho pro autógrafo ficar mais diluído. opa. mas isso é o que melhor sei fazer, pensei e lá fui eu preparar mais uns troços, se não me falha a memória, a bebida da noite foi gimlet, cocktail que se tornou verdadeira celebridade literária, pelas talentosas mãos de raymond chandler. haja gim! e o melhor é que havia, como havia! um mar sem fim de gim.

um tanto embriagados, edu pergunta pro autor de onde ele me conhecia. de bate pronto respondeu que tinha me conhecido naquela noite. ops. o mano sequer se lembrava de mim. que derrota. talvez seja a hora de por a mesa, pensamos.

enorme travessa da melhor carne assada com batatas coradas já feita no hemisfério ocidental alimentou nossos corpos e almas de uma maneira que ficará cravada na memória das nobres testemunhas para sempre. a ocasião pedia vinho. a partir daí nos dedicamos a secar a adega dos pacientes anfitriões. em uma ligação telefônica, devidamente feita pelo viva voz, aldir blanc abençoou a nós e a noite.

– mas que horas são agora? – perguntou mirisola, meio que do nada.

– meia noite e quatro – respondi, após conferir os ponteiros do meu onipresente relógio prata de pulso.

– hoje é meu aniversário de 50 anos, passa os livros aí que agora autografo com gosto! – assim declarou o autor, para espanto de todos. como assim ele escolheu comemorar meio século de fundação com quem não conhecia?

nunca antes na história desse país (apud luiz inácio) um bolo foi servido em hora tão apropriada. e como tava bom o danado! volto ao bar pra preparar um amargo enquanto edu resgata um velho violão e o autor se joga no sofá da sala, em busca de momento de merecido descanso, após sua titânica performance à mesa. logo reabre a estação afonso pena. antes de me recolher aos meu aposentos, ainda bebi um negroni na janela e contemplei o bicho pegando no jogo de damas dos velhos.

o que você quer fazer quando o mundo voltar a ser algo parecido com o que conhecemos como mundo? eu quero mais noites como essa.

ouçamos aldir

sempre teremos poucos poucos e bons escritores, mas jamais existirá outro aldir blanc.

escrevo essas linhas enquanto ouço seu álbum vida noturna, rara pérola que nunca cansei de escutar. com todo respeito aos grandes intérpretes que passaram por sua riquíssima trajetória, nada como uma canção imposta com dor e sofrimento pelo próprio autor. e esse cd – lancem em vinil, plmdds! – é uma verdadeira aula daquela velha boêmia cada vez mais difícil de achar.

na verdade sua obra dispensa apresentação. músicas, artigos, crônicas, livros, a porra toda. se não conhecer, não se chateie, mas considere a possibilidade de aproveitar a quarentena pra se inteirar sobe o assunto. e, se já se acha íntimo da obra, que tal reler tudo de novo? clássicos desse nível sempre nos ensinam algo a cada revisita.

o que nem todos sabem é que aldir se resguarda em sua casa há muito tempo, saindo só quando extremamente necessário. naquele pedaço da tijuca é quarentena todo dia há quase duas décadas.

você nunca escreverá como aldir, mas a hora é a de ser tão reservado quanto ele. o mais próximo que se pode chegar dele hoje é ato cívico recomendado pela organização mundial de saúde. será que ele tava certo esse tempo todo?

não nos interessa julgar tal comportamento, mas hoje tal atitude é mais que bem vinda, é necessária. a ciência aponta que o isolamento social reduz drasticamente o números de óbitos provocado pela pandemia, apesar do jumento que ocupa temporariamente o palácio do planalto insinuar irresponsavelmente o contrário. esse deve ser deposto e julgado por crimes contra a humanidade.

e nós? o que devemos fazer? ora, bolas! sigamos a receita de doutor aldir. fiquemos em casa.

(curiosidade. o tempo de escrever esse texto foi o mesmo de apreciar vida noturna mais uma vez. que álbum! que álbum!)

serenity now!

com tanta tecnologia em voga, em algum momento você achou que o jornal nacional voltaria a ser referência de bom jornalismo e informação?

pois é, pra você ver como o mundo dá voltas. planeta redondo, embora alguns insistam em dizer o contrário.

terraplanistas à parte, podemos aproveitar o confinamento provocado pela peste pra hábitos tão saudáveis quanto antigos, tais como ler e cozinhar.

difícil é arrumar calma pra isso, por mais que finalmente tenhamos tempo agora. mas há até quem usa o tão precioso tempo pra vir nesse site defender poderosos e me agredir com covardes contas fake. já encerrei um blog por não ter saco pra lidar com esse tipo de situação, mas isso é coisa do milênio passado, não repetirei o erro.

serenity now! assim disse um dia frank costanza, a personagem interpretada pelo genial jerry stiller, na minha série preferida desde que o mundo é, ou foi, mundo.

tô tentando, mas todas as noites tenho pesadelos com os hospitais improvisados em estádios de futebol pelo brasil inteiro, imaginando como eles estarão em menos de duas semanas.

o silêncio das igrejas, que sequer ofereceram seus templos pra se tornar pelo menos abrigos provisórios para a multidão de moradores de rua mostra bem o baixo nível de caráter dos seus lideres.

nos resta ficar em casa, lavar as mãos e cuidar dos nossos. sinto muitíssimo por quem não tem condição de agir dessa maneira.

boa sorte a todos nós.

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