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Boteco do JB

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o autor

o rio de janeiro que aprecio fica muito além do breguíssimo balneário de turistas que curtem andar sobre areias incertas e se banham em águas mais que suspeitas. costumo dizer que não vou ao rio, mas sim à tijuca. inclusive cultivo boas amizades no pedaço.

eduardo goldenberg e flávia piana promovem jantares memoráveis na mansão de frente a uma praça com estátua do tim maia onde velhinhos boêmios passam a madrugada jogando damas. já tive a honra de cozinhar lá por duas ou doze vezes e a ideia do livro de receitas que quero lançar ainda nesse ano começou a ser desenhada lá.

numa dessas minhas idas o edu, que é muito amigo de aldir blanc, contou que o bardo da muda dizia pra ele com certa frequência que o escritor marcelo mirisola é uma espécie de montaigne brasileiro e que é personagem a ser conhecida.

eu conhecia o mirisola meio que de vista, do cemitério de automóveis, do meu grande amigo mário bortolotto, que depois viria a escrever o prefácio de um livro de troca de cartas entre mim e o edu.

– edu, e se fizéssemos um daqueles jantares e chamássemos o mirisola? – joguei a ideia.

– mas você o conhece? – me questionou um tanto incrédulo, o boêmio tijucano.

– se não o conhecesse, não teria feito a sugestão, caralho. – repliquei com elegância.

– porra! será uma honra. tomara que ele tope! – se empolgou, o amigo.

como o conhecia apenas de vista, não tinha seu número. mas sabia que ele estava morando no leme, de onde até já voltou. então mandei uma mensagem via rede digital para ele.

– mirisola, tudo bem? quem vos escreve é júlio, amigo do marião, já bebemos juntos por uma ou duas vezes no cemitério. então, estou na tijuca com um amigo que é bastante próximo do aldir, que acha que vocês tem que se conhecer. topa jantar hoje com a gente? – assim fiz o atrapalhado convite, pensando que ele nem responderia.

– opa! tem metrô até aí? – me respondeu imediatamente, o escritor.

– sim, estação na frente! às 21h é bom pra ti? – e já emendei com o endereço.

– fechado, até lá. muito obrigado pelo convite! – trocamos abraços virtuais e nos despedimos.

tínhamos poucas horas pra nos organizar. como estava hospedado na mansão, minha estação de cocktails já estava limpa e pronta. mas não conseguíamos pensar na comida. até que edu teve a ideia de chamar felipe quintans – alô, bar madrid! – e renata trigueiros, que se dispôs a preparar um verdadeiro banquete tijucano: carne assada com batatas coradas. melhor que qualquer coisa que eu fizesse. pra ficar ainda mais perfeito, flávia piana, confeiteira de mão cheia, fez um delicioso bolo. que venha a noite.

o montaigne brasileiro (apud aldir) nos presenteou com pontualidade britânica. de imediato fui para minha posição e preparei boa série de cocktails para nós. felipe e renata não demoraram muito a chegar e emendamos drinques com boas cervejas.

em algum momento o edu pegou 3 ou 4 livros e pediu pro mirisola assinar, um tanto sem jeito, o autor disse que precisava beber mais um pouquinho pro autógrafo ficar mais diluído. opa. mas isso é o que melhor sei fazer, pensei e lá fui eu preparar mais uns troços, se não me falha a memória, a bebida da noite foi gimlet, cocktail que se tornou verdadeira celebridade literária, pelas talentosas mãos de raymond chandler. haja gim! e o melhor é que havia, como havia! um mar sem fim de gim.

um tanto embriagados, edu pergunta pro autor de onde ele me conhecia. de bate pronto respondeu que tinha me conhecido naquela noite. ops. o mano sequer se lembrava de mim. que derrota. talvez seja a hora de por a mesa, pensamos.

enorme travessa da melhor carne assada com batatas coradas já feita no hemisfério ocidental alimentou nossos corpos e almas de uma maneira que ficará cravada na memória das nobres testemunhas para sempre. a ocasião pedia vinho. a partir daí nos dedicamos a secar a adega dos pacientes anfitriões. em uma ligação telefônica, devidamente feita pelo viva voz, aldir blanc abençoou a nós e a noite.

– mas que horas são agora? – perguntou mirisola, meio que do nada.

– meia noite e quatro – respondi, após conferir os ponteiros do meu onipresente relógio prata de pulso.

– hoje é meu aniversário de 50 anos, passa os livros aí que agora autografo com gosto! – assim declarou o autor, para espanto de todos. como assim ele escolheu comemorar meio século de fundação com quem não conhecia?

nunca antes na história desse país (apud luiz inácio) um bolo foi servido em hora tão apropriada. e como tava bom o danado! volto ao bar pra preparar um amargo enquanto edu resgata um velho violão e o autor se joga no sofá da sala, em busca de momento de merecido descanso, após sua titânica performance à mesa. logo reabre a estação afonso pena. antes de me recolher aos meu aposentos, ainda bebi um negroni na janela e contemplei o bicho pegando no jogo de damas dos velhos.

o que você quer fazer quando o mundo voltar a ser algo parecido com o que conhecemos como mundo? eu quero mais noites como essa.

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