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Boteco do JB

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Month: February 2020 (page 2 of 3)

azeite napolitano

manter um bom comércio em pé consiste no equilíbrio entre 3 pilares: fazer o que gosta, torna-lo financeiramente viável e conquistar freguesia. porque se ninguém mais gostar, não adianta porra nenhuma.

ontem fui numa dessas novas pizzarias de inspiração napolitana. tudo certo e tudo errado.

explico.

uma pizza gostosa, independente do seu estilo, deve ter sabor e equilíbrio entre massa, molho e cobertura. se um desses patinar, o produto desanda.

a massa de fermentação natural é impecável, assim como a maneira como é assada. o molho, embora bem cuidado, faltou um pouco de sabor e sobrou acidez, bateu na trave. erro grave que poderia ser corrigido antes da abertura. exemplo: a carlos pizza, antes de seu curto período de seis primeiros meses de alto nível de excelência, gastou necessário tempo considerável fazendo testes. tudo bem que depois descambou por completo em qualidade, apesar de ter ganho (outro tipo de) público. perde a cidade, ganham os sócios. é a velha prática cômoda de as pessoas gostam assim. uma mudança de política onde a grande favorecida é a conta bancária do comércio. de bom exemplo, tornou-se desprezível.

mas voltemos focar na visita de ontem. sabores, coberturas. embora, com muito cuidado, dê pra escolher entre 3 ou 4 opções bem legais, sobram algumas gracinhas que atestam a falta de experiência dos donos. até inacreditável azeite trufado foi flagrado no cardápio. e, apesar de ser a cobertura do mês, que bem poderia se chamar O HORROR DO MÊS, não justifica a presença num lugar que pretende ter alto nível, que é o que me apareceu.

preços? mais caro que a braz elettrica, ótima rede de fast food de pizzas inventivas que tem uma bem sucedida unidade em imóvel vizinho à novidade aberta há apenas 6 meses. aliás, o forno de lá é parecido, as coberturas, sem a mesma competência, também procuram ser criativas, de maneira que cabe a comparação.

ao trazer a gostosa pizza de calabresa de boa procedência, o garçom disse com voz impostada você não vai comer uma pizza, vai ter uma experiência. o que me soou ameaçador, apesar da óbvia boa vontade. antes ele e mais 1 ou 2 pessoas já tinham perguntado pra mim algo do tipo você conhece a pizza napolitana? atitude que pode assustar uma criança de porte médio. treinem a equipe, plmdds.

tiramisù meia boca e café ok- fecharam o jantar. o descrito mais uma água, taça de pinot noir ok, serviço e caixinha de apenas 8 reais atingiram o valor de 150 casteladas. preço de jardins? não sei, lembremos que tem uma forte concorrente duas casas ao lado, mas decerto caro pra mim, pelo que entregou.

no fim, um dos jovens sócios veio à mesa de maneira muito simpática e com humildade discorreu sobre algumas dificuldades pelas quais tem passado. ele é esperto e dá tempo de virar esse jogo. mas tem que ser rápido, porque são paulo pode ser cruel com efemeridades. tem que arrumar enquanto ainda vai gente nos fins de semana, trazer freguesia pros outros dias, etc.

E TIRA A PORRA DO AZEITE TRUFADO DO CARDÁPIO.

caralho.

clubismo

gosto muito de um restaurante quatrocentão nos jardins, cujos lindos móveis foram herdados do bar do jockey club do rio de janeiro.

ali o chef, que está nesse posto desde o fim do último milênio, desfila elegantemente pelas mesas sugerindo a boa da noite, que pode ser um arroz de galinha d’angola, um polvo ou até mesmo uma massa com ragu de lingüiça e rúcula. se ele não passar por você, peça pra alguém chama-lo. em voz baixa, naturalmente.

certo mesmo é que, seja como entrada ou principal, sempre pedirei o excepcional trenette com tomate e manjericão. de longe, minha massa preferida na cidade. são paulo é uma farsa gastronômica tão imensa que é muito, mas muito difícil achar esse prato tão simples com um mínimo de excelência. nem precisaria ser fresca a massa, poderia ser um espaguete, etc. o ponto é que é raro. parece que todos italianos que não sabem cozinhar vieram pra cá, mais especificamente pros lados do bixiga. aí acontece que se valoriza ainda mais o prato destacado nesse parágrafo.

os drinks são absolutamente dispensáveis. mas, pra compensar, não se cobra taxa de rolha. é lugar pra levar vinho do bom, pra ornar com o rango. dizem que aquele velho engenheiro libanês que já foi prefeito e governador armazena parte de sua valiosa adega por lá. não sei se é pensamento muito nobre de minha parte, mas já sonhei em roubar essas garrafas numa madrugada qualquer. todas elas. ok, admito que já até fiz planos de ação. mas infelizmente daria com os burros n’água, não sou do ramo. imagina só o tamanho do mico do flagra.

as tais sugestões do chefão não estão no cardápio, esse que por sua vez jamais deve ser aberto, a não ser que aprecie olhares tortos por parte da bem alinhada equipe do salão. sobremesas e café também não devem ser pedidos. e nunca vá nos fins de semana, quando o estridente piano berra no seu ouvido. prefira as noites de segunda e terça, entre 19h e 20h, com reserva.

ressalto: lugar pra levar vinho, comer o trenette e a sugestão do chef. o restaurante se assume como quatrocentão e não tem o menor interesse em novidades, embora corram boatos que até cartão anda aceitando. mas é claro que quem tem o mínimo de senso de noção levará dinheiro vivo pra pagar a conta com serviço e boa caixinha.

quase esqueci que, se você pedir com jeitinho ao garçom certo, ótimas batatas portuguesas serão servidas. elas devem ser comidas antes do prato principal. se você conseguir pedi-las no lugar do fraco couvert, a chance de ganhar algum respeito do garçom é considerável.

tudo isso pra dizer que são paulo é um imenso clube, com regras e etiquetas de comportamento, desde o lugar mais simples até o mais sofisticado, passando pela garagem com pretensões modernas, portinhas, etc.

chato? ultrapassado? depende. aí teria que analisar porta por porta, aqui só descrevi uma delas. a postagem é mais descritiva que crítica. a ideia é mostrar como funciona, para ajudar o comensal. aliás, sempre escrevi para a freguesia, não para os chefs.

em são paulo, sabendo usar não vai faltar.

a conversa dos outros

sair quase sempre sozinho e dar pouca atenção ao aparelho telefônico móvel faz com que se aumente a sensibilidade em relação ao que ocorre em minha volta, o que ajuda bastante a cumprir o compromisso diário de atualizar o blog. esse que por sua vez já se transformou em diário, mais como aqueles de antigamente que os que se vê toda hora em outras mídias eletrônicas. aqui a pressa é menor, pelo menos um pouco.

daí que, por conta de alguns trabalhos, às vezes tenho que tirar a poeira do passaporte e ir ao itaim bibi, lugar que já foi a chácara do seo leopoldo e hoje pertence a um curioso tipo de condado coxipster.

universo tão distante do meu que até que me divirto – e aprendo – um bocado ouvindo as conversas dos outros nas ruas e nas mesas dos restaurantes.

costumo almoçar numa das casas de um jovem chef italiano que vem se tornando uma espécie de walter mancini do pedaço, tamanha a quantidade de comedouros abertos dentro de tão pouco espaço.

a comida servida na casa mãe não me agrada tanto, acho meio pesada, mas entrega o que se propõe a fazer, parece feita sob encomenda para faria limers. as leves e felizes expressões de felicidade plena estampadas em seus rostos coringa não me deixam mentir.

já nas outras casas o nível sobe, o que é ótimo, demonstra evolução no bom sentido da coisa. o chef em questão não adormeceu dentro de um barril de manteiga.

um dos bons jantares que tive no ano passado foi na sua casa de frutos do mar. aceitei seu convite, sentei com uma amiga no balcão que aporta na boqueta da cozinha e juntos mandamos menu exclusivo. programa que recomendo fortemente, se você tiver condições pra isso.

mas fiquei curioso pra saber como o restaurante funcionava para os pobres mortais. então foi um pulôver nas costas, uma ideia faria limer mode on na cabeça e certa sensação de fome na pança.

começo da semana, período de almoço. sentados ao meu lado, dois executivos. um morador da vila olímpia e outro do recife, hospedado no centro e trabalhando no condado.

o anfitrião passou o tempo todo explicando porque o outro teria que se mudar para o condado – nunca pensei que ouviria essa expressão sem o uso de ironia e só isso já valeu o rolê – e descrevia as experiências possíveis com uma empolgação que eu não conseguiria reproduzir nas minhas parcas letras, até porque ouvi gírias até então inéditas para meus ouvidos. mas a coisa começava com um café da manhã topezêra, passava por um startup e terminava com diversões noturnas onde o adultério é inevitável. tudo com muita segurança, já que o centro onde ele está – ou estava – hospedado é perigosíssimo. além de 2 onipresentes coca-cola com gelo e limão, não reparei no restante dos seus pedidos.

eu fui de boa burrata com uni – que poderia estar mais inteiriço – como entrada e gostoso rigatoni com lula, botarga e brócolis de principal. a sobremesa era uma instalação de chocolate mais duro que denso. e o café tava tão intragável que não o bebi. rodolfo se comporta como um chef à moda antiga, foca no principal e dá pouca atenção ao que deve considerar meros detalhes, tais como vinhos – ele amarra as mãos do sommellier, ao fechar exclusividade com UMA importadora – , café – de cápsula ou mal tirado, dependendo da casa. a única certeza é a da derrota – , cocktails – tem o que vende e pouco importa o restante. mesmo o que vende não tem bom aspecto – e sobremesas, que até podem ser boas, mas sempre é uma loteria. comercialmente funciona, o chef oferece o que seu público quer e seus comércios bombam. embora esse argumento parece ter saído da boca do dono do paris 6, ao contrário de isaac, as casas nino oferecem produto no mínimo aceitável, com picos de boa qualidade.

o ponto é o seguinte? por que muitos clientes consomem algumas coisas? por vontade própria ou ignorância?

porque eu acho cômodo pra cacete responsabilizar seu público por suas próprias falhas. faz parte do nosso trabalho a boa educação do comensal. o arbítrio é livre, assim como a informação. colonização às avessas.

chefs, saiam da zona de conforto!

carnavrau

deve ser a época do ano em que o bom mercadinho dos portuga da roosevelt tem o maior movimento, maior até mesmo que nos dias que antecedem o níver de jc.

não sou a exceção que confirma a regra, não. provisões são cuidadosamente escolhidas pra abastecer a casa que se torna bunker durante a festa da carne.

embora haja blocos médios e grandes que se portam de maneira profissional, pra quem mora na região do centro expandido o problema são os pequenos. fecham ruas pra meia dúzia de vândalos sem o menor senso de noção das coisa.

vamos combinar que se tem caixa de som em vez de samba no chão algo não vai bem no reino de adoniran?

agora, quem mais toma no cu são os dog, cujos passeios diários se transformam em corridas de obstáculos cujo maior objetivo é o de não cortar as pata com cacos de longui néti e curóti.

e não é só nos dias oficiais de carnavrau. pois há o pré e o pós. quem mora no centro bem sabe que o inferno de um mês já começou. acho que pior que aqui, só na grande aspicuelta, onde é micareta do mackenzie durante o ano inteiro.

sem contar a vergonha que passamos, ao nos compararmos com outras regiões do país que vivem e respiram de fato essa festa que pode ser tão bonita.

em vez de carros, quero mais que festas e pessoas ocupem cada vez mais ruas não só do centro como de toda cidade com festas que durem o maior período possível.

mas há de se ter curadoria, organização, profissionalismo.

uma ideia. que tal se destinarmos todo dinheiro de impostos que hoje são isentos, mas deveriam ser pagos pelas igrejas para a cultura?

quer enriquecer às custas dos fieis, então que pague por isso. e bem! amém?

ou estamos caminhando para um estado teocrático? se observarmos o aumento dessa bancada na câmara de deputados nas últimas décadas, podemos supor que sim. e essa conta não deve ser posta só no maldito atual governo, já que o movimento vem de longe, com cada vez mais força e substância. claro que eleger um retardado mental para o maior cargo executivo do país não ajuda em nada, muito pelo contrário.

o que temos que fazer é nos organizar, cobrar os políticos e votar ao menos um pouco melhor, plmdds. o que vocês querem é botar seu bloco na rua, etc?

pois então tomem tenência, camaradas!

sextop

certa vez achei um pequeno lugar onde funcionava uma igreja evangélica. pois lá entrei, não rezei e pensei comigo mesmo que daria um belo izakaya. conversei com o pastor, que me confessou que seu negócio ia tão bem que logo teria que se mudar para imóvel maior. e eu sabia quem tava procurando ponto justamente pro tipo de negócio que imaginei. como era morador do bairro, fiz a ponte muito por interesse próprio e pronto. deu super certo.

amém?

bom, ir lá toda semana era uma das poucas coisas boas que pinheiros me oferecia. o izakaya e um pequeno sushi-ya ao lado, do qual sou freguês desde sua inauguração (se não me falha a esclerosada memória, cometida em 2005), aliviavam um bocado a angústia de morar num pedaço que se transformava rapidamente numa praça de alimentação de shopping.

já fui embora há algum tempo e hoje me considero um homem do centro, lugar onde me encontrei. mas vira e volta retorno aos lugares por onde passei. pra olhar pra frente é preciso reconhecer o passado.

ontem mesmo fui ao izakaya no qual não consegui entrar pela terceira vez, de tão estrumbado de gente que tava. erro de principiante, o meu, que sei da prosperidade do negócio e jamais deveria estar lá às 20h de uma sexta-feira.

acontece que tava azul de fome e acabei entrando no sushi-ya ao lado, pertencente a um dos profissionais da área que mais respeito. 50 anos de carreira não são 50 dias.

embora lá tenha conseguido sentar – andar sozinho tem suas vantagens – foi outro tiro n’água, por motivos parecidos, com o adicional de ter a sensação de ter cansado um pouco a mais que o necessário o velho amigo. comi um pouco a menos que gostaria, gastei um pouco a mais que podia, tomei uma dose de semancol e fui embora.

promoção de 50% de desconto em cervejas no mercadinho do seo abílio. programa de velho, eu sei. claro que devido ao adiantado do horário, os rótulos bons já tinham se esgotado. sem contar que a oferta era válida apenas para clientes mais. o cadastro pra se tornar isso se revelou um verdadeiro pesadelo kafkiano pra mim, o ancião burro sem timing com uma garrafa de sake na cabeça.

hora de jogar as cerveja bosta adquiridas na bolsa e voltar pra casa, tentar virar o jogo, etc. já na aldeia de onde devo sair cada vez menos, parada pra uma série de bons chopp sour num bar com várias torneiras bem abastecidas perto da roosevelt.

o bom azedume da bebida trouxe o conforto que eu buscava. e pensar que ele estava há poucos passos de onde moro…

esse texto é sobre sensação de pertencimento. uma vez que saia do seu habitat, se ligue e tome as devidas precauções, tais como cuidado com os horários. mesmo que você tenha relação afetiva com o pedaço que por muitas vezes não tem mais nada a ver contigo. não seja um amador como fui, não pague de turista bobo.

mas que é gostoso voltar pra casa, isso é. o lugar que você pertence é o lugar onde você está.

má cynar

passei fins de tarde da infância em armazéns de secos e molhados com meu pai e seus amigos. eles iam de cerveja, ele de campari ou cynar. pro seu mais completo orgulho, eu dava umas bebericada no seu copo sem fazer cara feia. ele, todo orgulhoso, tirava sarro sem dó de quem estava ao nosso redor. cês ficam bebendo esse mijo azedo aí e até meu filho que é muleque bebe melhor! dizia se referindo às cervejas populares disponíveis no fim do último milênio, anos 80.

embora o esforço pra não fazer careta fosse considerável, acho que foi por essa época que adquiri o gosto pelo amargo.

e levei isso comigo pela vida. até hoje, se estou num botequim ordinário num lugar quase sempre distante, dispenso a cerveja bosta, peço uma das duas bebidas em questão e ergo um brinde ao saudoso velho, falecido em 27 de julho de 1997, aos 41 anos.

todos esses anos bebidos fizeram com que aprendesse a usar os goró de maneira variada. dependendo da estrutura da espelunca, o amargo pode ser incrementado com gelo, laranja, limão e até água tônica. pronto, virou cocktail.

inclusive vivi tempo suficiente pra ver o amargo virar moda. negroni pra cá, boulevardier pra lá e assim vamos levando. há até quem jogue a responsabilidade disso nas minhas costas, eu prefiro dizer que quanto mais informação chegar ao bebedor, melhor. ele que busque o tão necessário filtro. faz parte do processo.

mas a vida às vezes contraria a monótona linha imaginária traçada pelo mestre vonnegut.

daí que nessa semana me apresentei ao lado de escritores que admiro muito num dos poucos bares muito bonitos da cidade. pouco acostumado a falar em público, o nervosismo se tornou ainda maior.

encostei no balcão do bar e cogitei pedir um old fashioned. como a marca do bourbon utilizado na casa não me agradava, solicitei o cardápio que só consegui enxergar com o auxílio da lanterna do celular. o cotidiano toda hora me faz lembrar que a meia-idade chegou.

mas eis que avisto um bom e velho conhecido companheiro, o cynar tônica. o pedi. copo longo com gelo qualquer, meia fatia de um tímido limão, tudo certo. era o conforto que eu precisava. antes de dar o tão desejado primeiro gole, fui interceptado por mário bortolotto:

– que que cê tá bebendo aí?

– cynar tônica, marião.

– porra. que merda, hein?

– ah, eu gosto.

– não, mano. é uma merda. isso aí é muito ruim, é o rappa engarrafado!

– …

mesmo com a alma armada e apontada para a cara do sossego, o drinque desceu um tanto torto e não provocou o efeito esperado. na verdade, acho que nunca mais beberei cynar.

porque não há memória afetiva que resista ao rappa.

copo cheio

existem algumas maneiras de destruir seu próprio fígado. álcool bosta, pó, mistura dos dois, excesso. sim, porque pinga boa também te fode, se você beber tal como nicolas cage em despedida em las vegas. ontem tive a honra de dividir palco com fausto fawcett, mario bortolotto, xico sá e grande elenco, num projeto do amigo eduardo beu, denominado como trovadores do miocárdio. o tema da noite era órgãos humanos e um dos meus escolhidos foi o tal do fígado. abaixo transcrevo o texto escrito por mim em sua homenagem. no final dele entrava I never cry, som que alice cooper compôs em tributo ao seu próprio alcoolismo. claro que passei certa vergonha, devido aos nomes envolvidos, timidez, etc. mas até que foi bonito. autoestima é tudo.

a balada do fígado corneado

o maior problema da vida é que você identifica o seu auge só após o ocorrido. depois resta apenas a angústia e aquela velha pontada aguda no fígado.

na real nem isso, já que fígado não dói e aprendi desde cedo que não se deve chorar por bobagem. então resta o nada, enquanto o fígado acaba comigo de maneira implacável.

mas sabe que até colaboro? minha parte eu faço, sim. bebo de maneira descontrolada, como se amanhã não houvesse.

beber pra elevar o espírito? beber pra suportar os outros? balela! bebo porque o porre por um momento me faz esquecer aquele órgão imponente que me destrói enquanto me despreza.

mas sem chorar! nada mais amador que esse tipo de bebum. e odeio dar trabalho. gosto de imaginar que sou bebedor profissional, independente do que diabos isso signifique. além do mais, não daria esse gostinho pra ele. até porque, pra completar o relacionamento abusivo, daqui a pouco até o copo ele tira da minha mão.

a bebida me corneia sem o menor constrangimento, escolhe o que acha que é melhor pra ela…

mas, tudo bem. tudo bem… fica com ele, fica. eu me viro, a amiga derrota está sempre de plantão pra me consolar.

não é você que larga a bebida, é a bebida que larga de você.

já pode chorar agora?

não. acho melhor não.

blogueyrinhas

comecei a publicar sobre gastronomia em 2007, ano que hoje parece bem distante da atual ditadura dos smartphones.

na época as pessoas moldavam bares e restaurantes para agradar jornais e revistas, hoje se preocupam mais com a luz para a foto medíocre do instagramer parecer mais apresentável. o freguês sempre em último lugar.

mantenho um canal no youtube atualizado mal e porcamente, por ser produzido por meia dúzia de amigos talentosos, mas que precisam viver e se mantém com outros trabalhos.

enquanto isso outros produzem conteúdo casado com merchand de produtos ordinários. o youtuber gastronômico funciona assim: vai numa cafeteria correta, conversa sobre café, coisa e tal, com a má intenção de fazer merchand de café em cápsula. deixa a entender que uma ação autoriza a outra. e assim a fórmula funciona em todos segmentos. sabe cozinhar? por que não usar um tempero pronto? faz lingüiça? então compre também esse salame da indústria. prove o sabor salitre! sou eu que estou atestando!

tsc tsc

o jabá se sofisticou e se apresenta de modo indireto. tenha atenção com o tipo de informação que chega até ti. siga o caminho do dinheiro.

honestidade não é mérito, mas sim obrigação. infelizmente o que não falta hoje também é ladrão de propriedade intelectual, outro golpe sofisticado. garimpam bom conteúdo e embalam como algo fofinho para faria limers.

claro que também tem coisa boa. tudo está ao alcance da sua mão, mas é preciso filtro e bom senso.

de minha parte, o que tento fazer, nem sempre com sucesso, é acessar menos o celular. atualizar esse blog diariamente também é bom exercício.

quando foi que perdemos a capacidade de contemplar?

o mundo anda mais rápido que o necessário. não façamos parte do exército de imbecis armados com aparelhos que nem teclas tem mais.

quanta informação, quanto produto!

letras, vídeos, comida, bebida. pela última vez nesse texto, cuidado com o que te oferecem, hoje mais que nunca.

porque se abundância fosse sinônimo de qualidade, não existiria tantas lojas do paris 6 e do madero, the best burger in the world.

natto

moro na cidade com a maior colônia japonesa do mundo, o que é bem bom, pra quem gosta do rango deles tanto quanto eu.

claro que tem que tenta u dibre, luciano (apud riva). se temos mais restaurantes japoneses que churrascarias, fato que mais de 90% são motivo mais que suficiente pro japão declarar guerra pro brasil.

a relação comercial entre cozinheiro e comensal é de confiança que só cresce, como na essência de um bom comércio. quanto mais o freguês vai, mais o itamae o conhece e o atende da melhor maneira possível.

por mais de dez anos tive meu canto de balcão preferido num lugar muito tradicional. mas a mudança de itamae fez com que a qualidade fosse por água abaixo e ver que eles cobravam um absurdo e serviam mal quem não os conhecia foi um motivo a mais pra parar de ir. empatia.

quem não conhece a cultura nipônica, o cliente de primeira viagem jamais comerá tão bem quanto o velho freguês. mas a casa deve ter um piso de excelência.

por gostar tanto desse tipo de comida, tenho meus 4 ou 5 balcões escolhidos, dependendo do que eu queira comer e beber. porque a culinária japonesa vai muito além do sushi.

ontem fui num dos meus preferidos, onde considero como sagrado e tento ir na média de uma vez por mês. meu lugar no balcão tá sempre reservado, independente da lotação.

o itamae sempre me recebe sorrindo e já vai separando o melhor da noite, de acordo com minhas preferências. ontem tinha sashimi de ika com natto, sabá curado na própria casa, entre outras coisas.

mas o motivo principal que me levou até lá foi que na visita anterior conversamos muito sobre comidas de izakaya, takoyaki em especial. e combinamos hora e noite certa pra ele fazer a iguaria fora do cardápio.

20h desse domingo. esperei com ansiedade durante a semana inteira e na hora esqueci, pra minha completa vergonha. além de esquecer, apareci de surpresa na noite seguinte em horário inoportuno, sem avisar. no lugar de nobu san, teria me mandado embora na hora.

que nada. me tratou como um rei e fez o takoyaki da minha vida, enquanto eu matava uma garrafa de shochu de trigo.

mantenha boa relação nos balcões que você escolheu pra chamar de seus. essa é minha religião, filosofia de vida.

enquanto houver natto, haverá amor.

pra viagem

não sou assim o que podemos chamar de apreciador de comida delivery. e acho que jamais serei, mesmo morando sozinho e sendo meio preguiçoso. a maior parte dos rangos não foi pensado pra viajar.

a pizza, por exemplo. não tem sentido algum tampá-la com papelão assim que ela sai do forno e levá-la pro rolê em seguida. é inevitável que até as ditas boas cheguem em estado deplorável na sua casa. na melhor das hipóteses, é outro produto. mas usar eufemismos como esse pode ser uma perigosa maneira de eliminar o raciocínio crítico.

existe solução, alternativa ou coisa que o valha?

pra mim, é simples. pastas árabes frias para noites quentes e esfihas fechadas para as noites frias. o líbano salva, armênia e síria também, entre tantos outros. viva a imigração!

claro que manter a geladeira com o mínimo de ingredientes de sobrevivência ajuda um bocado, mas não é disso que estou falando. escrevo aqui sobre o conforto de receber uma comida pronta na sua casa.

e ontem, noite chuvosa dominical, me peguei com uma preguiça danada de cozinhar e muito mais de sair de casa.

não sei se tem algo a ver com a doença degenerativa da qual sou portador, mas tenho andado ainda mais saudosista que de costume. e me lembrei de uma adolescência lapeana na qual a tal da pizza delivery foi peça fundamental de guerrilha.

daí pedi uma de boa calabresa com queijo aceitável. gorjeta de 20 conto pra compensar a viagem do entregador que veio debaixo de chuva torrencial. ainda desci pra pegar a encomenda com uma garrafa de serra das almas que eu estava disposto a presenteá-lo e perguntei com jeitinho se ele bebia, mas me respondeu que não, por causa da igreja, coisa e tal. nem tentei o convencer do contrário, não é a primeira vez que perco pra jc.

ao abrir o papelão umedecido, logo contemplei aquele disco morno e molenga. exatamente o que queria. apesar do alto preço cobrado, o delivery da braz não se deu ao trabalho nem de fazer a marca do corte, o que rendeu um trampinho inesperado, especialmente porque não uso talheres pra comer pizza. mas tá limpo, a coroei com generosas doses do azeite em lata que guardo escondido na despensa e mandei tudo pra dentro como deve ser. tarefa cumprida.

você sai da lapa, mas a lapa não sai de você.

em gastronomia a única coisa contra a qual é impossível argumentar é sua relação afetiva com comida. nunca deixe ninguém te tirar isso.

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