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Boteco do JB

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comida de verdade

claro que todos queremos comida de boa procedência e que não seja ultraprocessada. quem se opõe a isso é ignorante ou tem algum interesse envolvido, o que é muito pior.

mas infelizmente ninguém está mais interessado no cenário que a indústria alimentícia. pra entender a trajetória da evolução dos hábitos alimentares basta seguir o caminho do dinheiro.

tem que parar com essa história de que comida saudável no brasil é privilégio de poucos.

se procurar por um mero potinho de iogurte em qualquer gôndola de supermercado se prepare pra um trilhão de informações sobre lactoses e porcentagens que passam a milhas de distância do produto básico que você queria, mas dificilmente estará à disposição. quer dizer, no mínimo te dará um trampo pra achar o danado. a indústria não facilita, apenas te cobra mais e mais e cada vez mais.

país de primeiro mundo é aquele no qual a boa mesa está ao alcance de todos, o que tá longe de ocorrer por essas bandas onde é tão difícil se informar.

e onde não há informação, há confusão.

quando a militância cirandeira fala em comida de verdade ela tá falando consigo mesma, não com o grosso da população, que se ouvir isso, vai rir, pedir licença e descongelar no micro-ondas aquela bandeja de lasanha da sadia que é o que tem pra hoje e inclusive o chef recomendou na televisão.

tal atitude me remete a quem ainda insiste na expressão cerveja de verdade, como se o mar de botequins espalhados nesse pobre país de dimensão continental tivesse acesso a isso. me dê minha brahma logo e me deixe em paz, assim responderá o trabalhador se um barbudo de coque lhe oferecer uma ipa.

enquanto não entendermos que comunicação não é o que se fala, mas sim o que se ouve, a indústria alimentícia seguirá cagando na cabeça de gente bem intencionada, porém ingênua.

e hoje, mais que nunca, não é hora de ser ingênuo. cuidado! há um genocida na porta principal!

então, na próxima vez que você pensar em apresentar algo legal a alguém, certifique-se antes se sua linguagem o aproximará ou o afastará dos bons hábitos. até porque, pior das hipóteses, ele pode ficar com raiva tanto de você quanto daquela bonita batata doce roxa que não tem nada a ver com isso.

porque a vida é aquilo que ocorre fora da ecobag exposta no ombro do militante de facebook naquela feirinha orgânica tão distante de barueri.

lobo guará

passei boa parte dos anos 80 do último milênio em barracas de feira livre, onde vendia frangos e miúdos de boi. as famílias eram maiores e se abasteciam pra valer nas ruas. até banca com tudo quanto tipo de feijão tinha. carioquinha não tinha vez na rua e o tipo de batata era escolhido conforme a sazonalidade. se tem uma coisa que a feira respeitava era a época das coisa tudo.

fora da feira, carne se comprava no açougue, pão na padaria e secos & molhados na quitanda. mercados municipais? existiam pra abastecer a população, num universo muito distante do atual cenário tão parecido com praças de alimentação. aliás, shopping era artigo raro. roupa se comprava na rua do arouche, doze de outubro, voluntários da pátria, teodoro sampaio, dependendo da região onde se morava.

cinema era na rua. no centro (que não era dividido como novo e velho, mas chamado pelos lapeanos de cidade), na região da paulista ou mesmo em pequenas salas espalhadas pelos bairros.

cada um com seu cada qual e tinha pra todo mundo.

aí começou a abrir as grandes redes de supermercado, uma atrás da outra. e o eixo do planeta entortou quando eles passaram a oferecer produtos dos pequenos comerciantes em bandejinhas assépticas do tamanho das novas famílias.

num piscar de olhos o cidadão médio passou a comprar pães, carnes, hortifruti, produtos de limpeza e muito mais no mesmo lugar. jogo de cama? televisão? algo ainda mais fora da curva cotidiana? o supermercado também tem. inclusive te obriga a entrar na loja pelo showroom de bugigangas que você nem imaginava comprar, tais como a máquina de espresso com cápsulas ou uma torradeira. tudo isso em 12 x sem juros. se seu cartão tiver estourado, abrem outro pra ti rapidamente, sem problemas. não precisa de dinheiro pra ser feliz, o que importa é o crédito. foda-se como vai pagar depois, o paraíso supérfluo tem seu preço. por que não levar também aquela churrasqueira moderna que você nunca aprenderá a usar, mas é a oferta do dia? tudo para seu mais completo conforto, aproveite que o carro tá próximo, numa boa vaga do estacionamento. na segunda-feira o terapeuta tenta te explicar a razão pela qual te causa tamanha excitação a proximidade entre automóvel e o portal do consumo.

enquanto isso, o pequeno comércio correu inutilmente atrás do prejuízo. as barracas de feira cederam aos cartões de crébito, abriram mão de suas especialidades para aumentar a grade de produtos oferecidos e até as tais bandejinhas tem lugar garantido no balcão. saudosas bancas de jornal tornaram-se vendedoras de tudo o quanto é tipo de treco, cinemas de rua migraram para outros segmentos comerciais e as panificadoras passaram a se comportar como pequenos graals urbanos, onde se acha quase tudo, menos a porra do bom pão.

com bares e restaurantes, a corrida foi outra. não precisou de hipermercado, a mera concorrência fez com que se a cena se destruísse sozinha, autoimplosão. o italiano médio deixou de cuidar do seu nhoque pra servir a itália inteira em uma página do cardápio. o autointitulado contemporâneo desfocou do produto final pra enfeitar as alegorias e adereços que poderiam justificar o saco de dinheiro cobrado se a comida fosse boa.

o cenário gastronômico passou por processo de parreirização. comida gostosa ganhou papel parecido com o do gol na copa de 94, mero detalhe. inclusive na maior parte dos endereços mais novos, tão arrogantes quanto ruins. aos jovens chefs, só interessa a sustentabilidade. pra que aprender a fazer pão, se pode comprar um moinho? e não precisa aprender a cozinhar cenoura, basta comprar no instituto feira livre ou naquele pequeno produtor que o sommellier gosta de chamar de seu. a bem afortunada juventude engajada compra e endossa tudo isso e muito mais. no final do jantar cirandeiro, um brinde com aquele vinho natural que estragou no navio coroa o jantar, numa cena tão parecida com os tapinhas nas costas dados pelos publicitários oitentistas. aliás, autorreferência e premiações nas quais o povo da área vota em si mesmo é outro fator em comum. com o diferencial que agora o instagramer que manja mais de trocadilhos que de comida abençoa o circo.

mas agora a quarentena zerou o jogo. temos na mão a oportunidade de fazer a coisa direito. até porque temos mais parâmetro e um vendaval de informações ao alcance da mão.

quem muito faz, nada faz direito. se atente aos pequenos lugares que começarão a pipocar pelas ruas, cada um com suas poucas especialidades.

os anos 80 não foram perfeitos e jamais voltarão. mas já passou da hora de voltarmos às nossas bases.

tenha olhos de garimpeiro, prestigie quem é bom de fato. mas cuidado com os xavecos! há um lobo guará na porta principal!

obituário ambulante

até agora são 4 livros publicados e tem pelo menos mais 2 a caminho. natural que a pandemia tenha atrasado todos nossos planos e convém esperar pelo momento mais adequado para seguir com eles.

costumo brincar dizendo que lançar livros não é mais que mera desculpinha pra visitar belo horizonte, cidade detentora de botecos que tanto prezo.

soube que alguns deles passam por um aperto danado. o mais justo é que lugares como o fabuloso bar do zezé, no barreiro de baixo, frequentado por esse que vos escreve desde 2004, sejam tombados como patrimônio imaterial da cidade. mas bem sabemos que políticos tem outras prioridades, de maneira que pouco nos resta além da torcida.

torcida essa que por vezes não basta. nessa semana mesmo um dos meus lugares preferidos na cidade anunciou nas redes sociais o fim de suas atividades.

localizada na boêmia santa tereza, a bitaca da leste só não fazia chover no seu minúsculo espaço de menos de 30 metros. tinha bom chopp próprio, curava queijos, produzia os próprios picles e lingüiças deliciosas, além de um torresmo que ficará na história.

uma discreta vitrola no canto esquerdo ao lado da porta com boa seleção de vinis ornava com as paradas tudo. optar por uma das poucas mesas externas também era boa pedida, convite ao ato de contemplação que só os bebedores mais clássicos compreendem.

embora o chef citado na minha postagem anterior deixe a entender nas suas mídias que é mais inteligente e trabalhador que a maior parte dos seus colegas, o mundo real nos mostra bastante gente talentosa e empreendedora com dificuldades que vão muito além da pandemia festiva comemorada nas férias no méxico.

além da bitaca da leste, senti muito também o fechamento do el cid, em copacabana, onde tive fins de noite memoráveis, comendo batata portuguesa e bebendo uísque. aliás, espero que façam bom proveito da garrafa que sempre mantinha por lá.

a real é que a falência deixou de ser estatística para ganhar nomes. de bares periféricos até os restaurantes mais luxuosos, muitos de nós sentimos pra cacete a perda de comércios próximos que não resistiram a essa crise sem precedentes.

mas a relação afetiva resiste e sobrevive nas nossas mentes e corações. lugares como a bitaca da leste, el cid e pasv jamais sairão da minha cabeça. se morte é esquecimento, esses e outros comércios devem seguir vivões e sempre lembrados na memória boêmia de todos bebuns de todas cidades.

que fique registrado aqui meus sinceros sentimentos a todas famílias que de alguma forma perderam com tantos fechamentos espalhados por todo país. torço pra que arrumem um jeito de dar a tal volta por cima, tão sabiamente celebrada por paulo vanzolini.

agora peço licença pra voltar ao livro que ainda não desisti de publicar nesse ano. a data certa de lançamento ainda não sei, mas já sei que a volta a belo horizonte será triste pra burro sem a bitaca da leste.

e imploro para que não me tirem o zezé, plmdds.

dia de festa

ainda não pendurei o restante dos quadros, mas sigo olhando pra eles todos dias. já o som valvulado está rodando, impressionante como o volume de boa música preenche e muda o ambiente do apartamento, no melhor sentido possível.

penso em realizar pequenos jantares pra bancar meu sustento, mas o atual quadro pandêmico faz com que não me sinta seguro pra esse tipo de ação.

como perdi meus trampos, pela primeira vez na vida considero a possibilidade de levar mais a sério a ideia de viver de criação de conteúdo. canal mais atualizado, infoproduto em vista, livro novo o mais breve possível na praça, etc.

tem qui tentá u dibri luciano! – assim dizia a patada atômica ao saudoso velho locutor do canal do esporte. como minha posição sempre foi no gol, é natural que me atrapalhe um tanto, mas o primeiro aluguel da nova moradia está pago. já o próximo não sei de onde tirarei o dinheiro. baby steps, ó eu citando personagem de bill murray de novo. é na tvs que tem uma figurinista que atende pelo nome de bel murray? adoro esse trocadilho.

e assim sobrevivo, entre trapaças e tropeços sofridos. falar em felicidade seria de um exagero monumental, além da falta de empatia, mas vou levando.

enquanto isso, do outro lado da cidade, quem esbanjou felicidade numa mídia social foi o aniversariante do dia, numa euforia virtual digna de todos os santos.

bom cozinheiro e dono de uma penca de restaurantes na mesma rua, rodolfo é tido como uma espécie de walter mancini do itaim bibi. a comida servida na nave mãe é meio pesadona, mas sua endinheirada clientela ama e quer mais. ao lado, bem sucedida casa de embutidos que prepara gostosa burrata e serve um curioso varal de presunto cru.

o meu preferido é o de frutos do mar, apesar do ambiente engomado que, verdade seja dita, é a cara do bairro. na frente, uma pizzaria, em torno abriu também espanhol, parrilla, hamburgueria e até um francês. em comum entre todos esses, desleixo com serviço de bebidas (vinho, cocktail, cerveja), reflexo de uma escola de restauração que não deveria existir mais. arrogância ou mera incompetência? não importa. na famiglia nino todos são felizes, da freguesia ao chef. inclusive percorrem boatos que jantares caríssimos foram celebrados naquele salão no auge da quarentena, o que espero de coração que seja mentira.

essa crise maldita provocou alguns fechamentos e, entre eles, um lugar muito querido onde rodolfo já trabalhou. aliás, o conheci lá, quando ele servia desde uma lagosta maravilhosa até o pior carbonara da cidade. enquanto a tappo trattoria foi pra laje do bistrô dos sócios originais, rodolfo se orgulha por ter comprado o antigo ponto. felicidade em empreender tanto na maior crise sanitária dos últimos 100 anos, na qual boa parte da população não se espanta com o horror normalizado. mais de 125000 pessoas morreram porque tinham que morrer, assim diria o presidente da república.

embora seja de se admirar a manutenção e ampliação do grupo restaurador, seria interessante saber como as centenas de cozinheiros e garçons se locomovem para os locais de trabalho, já que não há ambiente mais insalubre que uma condução lotada. será que as equipes compartilham do mesmo sentimento de felicidade do chef?

bem, aqui do meu lado, com muito cuidado, comecei a sair também. não sei porque me sinto na obrigação de reportar os ocorridos nessa tão insegura reabertura comercial. aos poucos pretendo contar no blog o que vejo, mas adianto que até agora constatei um cenário de desesperança que passa há léguas e léguas de distância do condado de todos os santos.

mas pelo menos tem alguém feliz, né?

feliz aniversário e muitos anos de vida, rodolfo de santis. 125000 vidas perdidas o saúdam.

força, guerreiro!

o vale da sombra da morte

encerrei o texto anterior mostrando certa preocupação com prováveis baixas verdes provocadas pelo meu pequeno cachorro. desde então recebo mensagens diárias me informando sobre plantas tóxicas que podem se vingar cruelmente das investidas caninas. a morte é uma via de mão dupla na relação entre cães e plantas.

até onde vale a pena manter uma relação tóxica? e se as partes envolvidas não tiverem consciência do mal que podem fazer uma a outra, apenas pelo inevitável movimento de seguir sua natureza?

até o momento desse escrito não tivemos acidentes fatais, embora eu tenha derrubado um vaso e petisco outro. tem também algo que lembra um pinheirinho com pouca inclinação ao cristianismo, já que aparentemente ele não mostra a mínima vontade de se apresentar vivão no natal.

rego as plantas em dias alternados e sempre levo um lero com o dog, o alertando sobre o perigo do vale da sombra da morte que a planta pode trazer, no que ele responde com lambidas e uma ou outra latida. que saiamos todos vivos dessa.

pendurei 3 ou 4 quadros. seguindo nesse ritmo, acabarei a função em 3 ou 4 meses. e nessa semana consegui instalar a net. em vez de escrever mais, dediquei tempo a assistir cobra kai, uma espécie de malhação com caratê que traz várias referências oitentistas toscas que adoro, com direito a muito rock farofa.

meu livro de receitas? o revisei e estou bem satisfeito com o caminho tomado. e decidi que ele terá mais um capítulo, explicando o porque do atraso, com mais receitas crônicas. nessa semana trabalharei nisso e as ilustrações feitas pelo amigo binho miranda – que fez o design dos meus 2 últimos sites, o rótulo da minha cerveja e a comunicação visual da página do canal no scarfacebook – estão lindas. só pelos desenhos, o livro já vale, garanto. de brinde, as receitas crônicas, sincera homenagem à saudosa amiga nina horta.

a mesa de trabalho está pronta e tenho em meus planos não largar esse blog que, veja só, já teve atualização diária num passado não tão distante.

que você e os seus estejam bem, pois eu estou tentando me virar.

beijos e até bem logo.

37

minha casa tinha duas varandas, de onde se avistava desde edifícios históricos até a praça da república, embora o cep entregasse que o logradouro se localizava na vila buarque.

os cinco anos morados renderam livros, festas e até um eficiente bar no quarto, onde podia beber a apenas dois passos da minha cama.

a atual crise e certa intolerância anunciaram a necessidade de me deslocar no meio da quarentena provocada pela pandemia, o que causou preocupação, já que faço parte do grupo de risco pois, entre outras coisas, sou obeso e sofro de doença degenerativa.

após muito garimpo e bem vinda generosidade de uma boa alma, me mudei para santa cecília, bairro vizinho.

como o apartamento é um pouco menor e já tinha mobília, doei quase todos meus móveis. o que foi bem bom, poucas coisas me deixam mais leve que o desapego.

embora aqui não tenha varanda, o sol da manhã bate direto na minha cama, o que faz especialmente bem pra esse portador de esclerose múltipla que vos escreve.

ou melhor, até tem uma pequena varanda, habitada por plantas. acabei de aguar essas e outras. aproveitei pra contar, no total são 37 vasos pequenos, médios e grandes. não sei o nome de nenhuma delas.

nos anos 80, quando morava na rua lauro müller, vila hamburguesa, subdistrito lapeano, cheguei a ter experiência de aproximadamente 3 anos com uma samambaia, que era regada 3 vezes por semana até o dia que, ao chegar do colégio, flagrei melissa, minha saudosa pastora alemã, com o resto da planta na boca. nunca mais cuidei de outra. agora tenho 37 plantas e um pug que as olha com cobiça destruidora, a primeira missão da mudança é administrar essa parada.

ao contrário da locação anterior, aqui estou cercado por luz e boa ventilação, o que faz um bem danado para alguém com a condição clínica que cito pela terceira vez nesse texto.

o bar no quarto já era, mas sei exatamente onde montar o novo e quando entrar algum dinheiro, assim o farei.

ainda não tenho internet, mas aprendi a usar o aparelho celular como roteador e, ainda mais importante, consegui lugar deveras agradável pra a mesa de trabalho. enquanto escrevo essas parcas linhas, atrás de mim o elevado do dr paulo grita. mais são paulo na veia, impossível.

os quadros ainda não pendurei, mas olho pra eles diariamente e fico imaginando as posições mais adequadas para as novas paredes.

trouxe também discos e som valvulado, que deve ser instalado por um amigo em algum momento nas próximas semanas.

já faz tempo que não tenho imóvel próprio e, como pode ver, tenho dificuldade em lidar com mudanças. tanto que deixei de dar a necessária atenção a esse sítio, que hoje é uma das minhas moradas preferidas.

baby steps <= assim dizia bill murray num excelente filme lançado em 1991. vamos aos poucos, digo eu. a meta de hoje é voltar a mexer na produção do livro que deveria ter sido lançado em junho, antes da pandemia adiar esse e tantos outros planos.

foi mal o sumiço, mas é um prazer estar de volta. nessa semana pelo menos mais um post terá, se forças ocultas não me impedirem.

agora preciso ir, pra tirar petisco do caminho da tentação vegana pela qual passa. não me perdoarei se for responsável por mais mortes verdes.

onze xavecos gastronômicos

a baianeira

café mocotó

corrutela

dalva e dito

dom

evvai

glouton

(não) komah

frittó

roberta sudbrack

tuju

assédio

começa já na hora da entrevista, quando o chefe faz questão absoluta de mostrar quem é que manda. se a ideia for um estágio, pior ainda. não tem direito a uniforme, nem algum pra condução. e ainda se ouve que está aprendendo sem pagar por isso, embora não exista metodologia alguma. passar por várias praças pra entender a operação? nem pensar. para o contratante, só interessa a mão de obra escrava. portanto, se você foi eleita pra trabalhar no quadradinho onde se desossa rabada, é por lá que ficará as próximas semanas. ou meses.

o ambiente também não é dos mais saudáveis, com os amigos do rei debochando de quem quer aprender e anseia por ter a recomendação do restaurante no currículo. lembra dos brucutus valentões ginasiais? pois bem. alguns deles trabalham nessas cozinhas e aqui venceram, por mais que em boa parte do mundo estejam em baixa. mas nessa cozinha profissional a civilização não tem vez.

sabe qual locação do restaurante que NÃO tem câmera filmando ambiente? vestiários, banheiros e às vezes câmaras frigoríficas. é num desses ambientes que costuma rolar o assédio sexual.

após, por necessidade, passar pano com sorrisinho amarelo ao ouvir piadinhas de péssimo gosto, é no cubículo privado que se é encurralada no dá ou desce.

o resultado da reação escolhida pode ser a fama de puta ou filha da puta. a única coisa certa é a humilhação vinda do verdadeiro pulha, acobertado e apoiado por sua infame quadrilha de criminosos.

se sentiu injustiçada e quer colocar a boca no trombone? infelizmente não é bem assim que funciona, se prepare pra ser condenada pelo deus mercado a passar o resto da sua vida profissional na escuridão, já que darth vader é influente, tem trânsito em todos segmentos – inclusive entre esquerdomachos – e ainda paga de salvador do planeta, pauta tão em voga nos últimos anos. assediamos nossa mão de obra escrava, mas usamos ingredientes orgânicos.

lembre-se que o assédio ocorreu no silêncio do canto escuro – gritar não adiantará nada – e que em local público ele é sussurrado nojentamente no pé do ouvido, de maneira que se não tem evidência alguma contra o coiso, ainda mais nesses tempos de treva bolsonarista, quando se pode culpabilizar a vítima com certa facilidade. e não tenha dúvida que quem se omite se divertirá adoidado com a situação trágica.

não existe nada de bom na pandemia pela qual estamos passando, mas fato é que o mundo, se não mudou por completo, está no mínimo meio virado. talvez tenhamos passado da hora de dar um basta nisso.

recentemente abri meu balcão virtual para denúncias dessa procedência e a resposta foi abaixo da esperada. natural que não se sintam à vontade comigo e tudo bem, quem tem que aparecer não sou eu.

no instagram a conta @basta.br foi criada pra te ouvir. e há mais canais de fácil acesso à disposição. avante, meninas!

dêem fim nesse pesadelo. quando uma aparecer, outras virão e poucos sobrarão.

o mercado de trabalho tal como era não existe mais e agora quem tem que ter medo são eles!

treva

qual primeiro bar ou restaurante que você vai após a reabertura?

meses e meses ouvindo variações da mesma pergunta, veio a reabertura e a real é que não estou com vontade de ir em lugar nenhum, por mais falta que tenho sentido dos balcões dos izakayas que tão bem me recebem.

caminhamos rapidamente pro horroroso número de cem mil mortos que na verdade já deixou de ser número pra se tornar nomes para muitos de nós.

um estádio do morumbi lotado de cadáveres e nem isso provocou a capacidade de indignação na bolsonarista mérdio.

finalmente nos igualamos aos estados unidos da america em alguma coisa. com eles, somos a mais recente vergonha do planeta.

voltando aos bares e restaurantes, existe todo um povo que ta se reinventando pra trabalhar a tal comida pra viagem da melhor maneira possível, já que se transforma em outro produto.

assim como há quem pense mais na comida, o que não falta é gente gastando os tubos em embalagens de gosto duvidoso, o que não deixa de ser reflexo do perfil do serviço mais tradicional do estabelecimento.

o resultado é que acaba-se pedindo comida dos mesmos 4 ou 5 lugares que já eram os preferidos, na medida em que o bolso permitir.

o tempo bicudo fez com que vários de nós voltássemos à cozinha, o que pode e deve ser um hábito saudável. o que não falta é informação nas tais redes sociais que podem te levar a lugares que vão bem além da invasão de pães bosta scarfacebookianos que insiste em permanecer na timeline.

toda vez que reclamar das tranqueiras que aparecem no seu feed, lembre-se de quem alimentou o monstro algoritmo.

e você? qual é o bar ou restaurante que mais sente falta?

ama teu botequim como a ti mesmo

a maneira mais fácil de desenvolver ódio pelo taxista carioca é chegar na cidade pela rodoviária cheia de pontos corruptos, inclusive em seus arredores. não ser roubado por lá é tarefa no mínimo indigesta.

já no hotel o golpe é outro. ao tentar sair, alguém te intercepta no lobby e oferece um carro oficial da espelunca, já que a cidade anda perigosa demais, diz em tom ameaçador. isso em qualquer hotel, dos mais simples aos breguíssimos de pretensão luxuosa. ao aceitar o desserviço, não espere por um carro grandioso e hospitalidade, mas sim por um corsinha 96 dirigido loucamente por um sujeito que parece ter acabado de sair do quiosque ao lado. de copacabana até a tijuca a corrida sai por algo entre 50 e 70 amarelinhos e só se percebe o golpe na volta, quando o mesmo trecho sai pela metade, pelas mãos do mesmo taxista que se estava com bronca até antes de ontem. se tem uma cidade que não é para amadores, essa cidade se chama rio de janeiro.

mas gosto do pedaço e sei me virar. há anos me hospedo nos lugares de minha preferência, santa teresa e tijuca, de onde só saio para lançar um livro ou outro na folha seca, centro da cidade.

mentira. também rodo o subúrbio, da abolição até a adega d’ouro, que serve o meu bolinho de bacalhau favorito no mundo. só não vou muito mesmo pra zona sul. não transo praia e o rio de janeiro que contemplo é aquele que vai além do balneário. mas, se tiver que encarar a zs, sem problemas. tem até um ou dois restaurantes que aprecio. só não me leve pra dar um mergulho.

dito tudo isso, acrescento que shows de rock no rio também me atraem, alguns chegando ao cúmulo de me levar à abominável barra da tijuca, um dos piores lugares do planeta. mas o the who, por exemplo, valeu bem o sacrifício.

como no samba me interessa mais a melancolia que o batuque, a praça da apoteose pra mim sempre foi sinônimo de shows de rock, com direito a um bem bom dos stones no fim do milênio passado, quando éramos bem vivos.

mas o show que mais me marcou no dito sambódromo foi outro. sempre gostei bastante de roger waters e já vi bastante coisa dele, até em belo horizonte, quando comi um belo tropeirão na frente do mineirão, após o espetáculo.

no rio a coisa que mais me chamou a atenção foi o público, que chamava pelo bis com inusitados gritos de uh! rogerinho! uh! rogerinho! a informalidade fluminense pode ser muito divertida.

pra sair, dispensei o bom e velho pesadelo taxista carioca – pra ser bem justo, a saída de shows em são paulo e também em belo horizonte apresenta problemas de ordem parecida – e caminhei em direção ao centro.

a primeira meia hora foi de vento na cara, contemplação e certo movimento em minha volta. após uma hora deixei de contar o tempo e apertei o passo, já que as sombras ao meu redor eram pouco amistosas.

sei lá quanto tempo depois avistei reconfortante luz amiga com mesas de plástico da mesma cor do toldo e do chopp bosta. nunca o amarelo me caiu tão bem.

um garçom me recebeu com sorriso do tamanho da praça da bandeira e por lá fiquei rememorando o show, entre chopps suspeitos – no rio de janeiro bebe-se chopp pra matar a sede, o que diz muito sobre a falta de qualidade da bebida – e uma língua vigarista que executou a fome de maneira implacável.

acho que essa foi a única vez em que fui ao amarelinho, botequim, que embora seja antigo, traz consigo certa má fama entre boa parte da boêmia carioca. a minha lembrança afetiva é ótima, porém obviamente subjetiva.

fato é que toda vez que um bar querido fecha eu morro um pouco junto com ele e a situação atual não tá fácil pra ninguém, muito pelo contrário.

toda pandemia tem seu fim e acho que o futuro pertence aos lugares mais simples e genuínos, desses com mesas na calçada. que a rua volte a ser nossa e ajude a construir nova memória boêmia.

por ora fica meus sinceros sentimentos a todos que de alguma maneira sofreram perdas com tantos fechamentos de portas. comerciantes, garçons, cozinheiros e fregueses.

e que a geração baby boom desse século, dos filhos da quarentena, seja mais bem sucedida.

eu não estarei mais aqui.

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