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Boteco do JB

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bel e melissa

qual é a sua maior inspiração de trabalho?

tem que apertar o passo, júlio. assim dizia isabel andrade, sempre apressada, caminhando comigo na rua passos da pátria, no trajeto que ia do colégio luiza lopes de oliveira até a casa dela, na paulo franco, vila hamburguesa. eu, embora morasse antes, na lauro müller, a acompanhava e voltava 2 quadras. ela gostava de ser chamada de bel, coisa que não fazia. me dava bronca, dizendo que eu parecia seu pai, ao falar seu nome e sobrenome. o que poderia fazer se já nasci velho? ser agradável, sensível e educado, hoje sei a resposta.

assim que chegava em casa, pegava minha pastora alemã capa preta melissa e a levava pra passear. feliz o tempo em que se podia andar com um bicho daquele tamanho sem coleira, nem guia. na vila hamburguesa éramos todos toscos como os gauleses do gibi, porém muito educados. vizinhos e motoristas cumprimentavam a cadela como se fosse de casa.

ela ia direto pra casa da minha andréa, que a esperava na varanda. conversávamos sobre o colégio – curiosamente chamado de segundinho, para os íntimos – e as diferentes classes sociais entre os alunos que iam desde os abastados da city lapa até os favelados do ceasa, passando pelos moradores das vilas vizinhas que não conseguiam se matricular no sesi, nosso caso.

foi ela que me apresentou o apanhador no campo de centeio e ordenou que eu o lesse uma vez por ano, pois minha visão sobre o livro mudaria a cada leitura. a obedeci e sigo o exercício até hoje, lendo o mais fraco daquele que se tornou meu autor preferido.

alta e 4 anos mais velha, de vez em quando me ajudava a dar banho na melissa. ela segurava e eu ensaboava a bichinha. demorava cerca de dez minutos até a cadela escapar de nós dois e nos molhar por inteiro com a mangueira. divertidos fracassos desses fins de tardes inesquecíveis.

nunca nos tocamos. as derrotas amorosas da minha adolescência foram previsíveis, eu sempre era muito novo pra quem me interessava de fato. claro que ela se enamorou com alguém mais interessante e o afastamento foi natural, diminuindo assim a frequência de banhos conjuntos na cadela camarada. uma pena, já que formávamos um belo trio.

mas isso me deu tempo pra ler o livro pela primeira vez. terminada a leitura, fui até sua casa com melissa, pra agradecer a indicação. infelizmente soube por um vizinho que um acidente fatal de moto levou dessa pra melhor ela e o namorado. voltamos pra casa de farol baixo, eu e melissa, que também já morreu há um tempão.

jamais superarei a perda, mas é essa figura que me inspira a escrever. sempre imagino se gostaria disso ou aquilo, etc. e quando erro o tom, o que ocorre bastante, tenho pesadelos febris na madrugada com ela me dando broncas descomunais, coisa que nunca fez em vida.

o milênio virou e o mundo está pra mudar de novo, podendo até acabar, pelo menos como ele é hoje. aproveito a possibilidade de seu cancelamento pra agradecer publicamente a inspiração e pedir desculpas por uma ou outra pisada na bola. nem sempre me dou tão bem com as letras quanto a maneira como lidávamos com melissa. aquilo nunca mais vai acontecer.

feliz apocalipse a todos.

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