a maneira mais fácil de desenvolver ódio pelo taxista carioca é chegar na cidade pela rodoviária cheia de pontos corruptos, inclusive em seus arredores. não ser roubado por lá é tarefa no mínimo indigesta.
já no hotel o golpe é outro. ao tentar sair, alguém te intercepta no lobby e oferece um carro oficial da espelunca, já que a cidade anda perigosa demais, diz em tom ameaçador. isso em qualquer hotel, dos mais simples aos breguíssimos de pretensão luxuosa. ao aceitar o desserviço, não espere por um carro grandioso e hospitalidade, mas sim por um corsinha 96 dirigido loucamente por um sujeito que parece ter acabado de sair do quiosque ao lado. de copacabana até a tijuca a corrida sai por algo entre 50 e 70 amarelinhos e só se percebe o golpe na volta, quando o mesmo trecho sai pela metade, pelas mãos do mesmo taxista que se estava com bronca até antes de ontem. se tem uma cidade que não é para amadores, essa cidade se chama rio de janeiro.
mas gosto do pedaço e sei me virar. há anos me hospedo nos lugares de minha preferência, santa teresa e tijuca, de onde só saio para lançar um livro ou outro na folha seca, centro da cidade.
mentira. também rodo o subúrbio, da abolição até a adega d’ouro, que serve o meu bolinho de bacalhau favorito no mundo. só não vou muito mesmo pra zona sul. não transo praia e o rio de janeiro que contemplo é aquele que vai além do balneário. mas, se tiver que encarar a zs, sem problemas. tem até um ou dois restaurantes que aprecio. só não me leve pra dar um mergulho.
dito tudo isso, acrescento que shows de rock no rio também me atraem, alguns chegando ao cúmulo de me levar à abominável barra da tijuca, um dos piores lugares do planeta. mas o the who, por exemplo, valeu bem o sacrifício.
como no samba me interessa mais a melancolia que o batuque, a praça da apoteose pra mim sempre foi sinônimo de shows de rock, com direito a um bem bom dos stones no fim do milênio passado, quando éramos bem vivos.
mas o show que mais me marcou no dito sambódromo foi outro. sempre gostei bastante de roger waters e já vi bastante coisa dele, até em belo horizonte, quando comi um belo tropeirão na frente do mineirão, após o espetáculo.
no rio a coisa que mais me chamou a atenção foi o público, que chamava pelo bis com inusitados gritos de uh! rogerinho! uh! rogerinho! a informalidade fluminense pode ser muito divertida.
pra sair, dispensei o bom e velho pesadelo taxista carioca – pra ser bem justo, a saída de shows em são paulo e também em belo horizonte apresenta problemas de ordem parecida – e caminhei em direção ao centro.
a primeira meia hora foi de vento na cara, contemplação e certo movimento em minha volta. após uma hora deixei de contar o tempo e apertei o passo, já que as sombras ao meu redor eram pouco amistosas.
sei lá quanto tempo depois avistei reconfortante luz amiga com mesas de plástico da mesma cor do toldo e do chopp bosta. nunca o amarelo me caiu tão bem.
um garçom me recebeu com sorriso do tamanho da praça da bandeira e por lá fiquei rememorando o show, entre chopps suspeitos – no rio de janeiro bebe-se chopp pra matar a sede, o que diz muito sobre a falta de qualidade da bebida – e uma língua vigarista que executou a fome de maneira implacável.
acho que essa foi a única vez em que fui ao amarelinho, botequim, que embora seja antigo, traz consigo certa má fama entre boa parte da boêmia carioca. a minha lembrança afetiva é ótima, porém obviamente subjetiva.
fato é que toda vez que um bar querido fecha eu morro um pouco junto com ele e a situação atual não tá fácil pra ninguém, muito pelo contrário.
toda pandemia tem seu fim e acho que o futuro pertence aos lugares mais simples e genuínos, desses com mesas na calçada. que a rua volte a ser nossa e ajude a construir nova memória boêmia.
por ora fica meus sinceros sentimentos a todos que de alguma maneira sofreram perdas com tantos fechamentos de portas. comerciantes, garçons, cozinheiros e fregueses.
e que a geração baby boom desse século, dos filhos da quarentena, seja mais bem sucedida.
eu não estarei mais aqui.