cagar é em casa, assim dizia minha mãe, que achava de uma falta de educação absoluta usar banheiros alheios para fazer o número 2.
mal sabia ela que anos depois me tornaria um cronista urbano e ir a banheiros de bares e restaurantes se tornaria parte do meu cotidiano. ainda acho que o estado do vaso sanitário de uma lanchonete pode dizer muito sobre sua cozinha.
mas que exercer a sacra atividade em casa é melhor, isso é. aqui tem o papel que eu gosto, posso deixar o som ligado numa altura apropriada com a trilha correta, etc.
por valorizar o ato contemplativo, evito ao máximo levar ao sanitário como companhia o onipresente aparelho telefônico móvel.
mas outras leituras são bem vindas, de maneira que sempre mantenho abastecido uma espécie de revistário improvisado ao lado do vaso.
as leituras devem ser leves e dinâmicas, já que meu banheiro não é lugar de literatura russa. não há tempo pra tanto e tem lugar pra tudo, cada um com seu cada qual.
por outro lado trabalhamos com cardápios de bares variados do mundo todo, literatura de bolso de grandes autores como mario bortolotto e lucas mayor e, por fim, alguns atestados de óbito, pro ocupante da vez sempre se lembrar de sua finitude. costumo dizer que a última falência do meu pai foi a múltipla dos órgãos e que a prova cabal disso está em frente a pia do banheiro.
acontece que tive uma situação kafiana, que embora aparentemente já tenha sido resolvida, ainda é muito recente pra mim.
e nada me tira da cabeça que reside um ser entre o cardápio do savoy american bar e o pedigree do shoyu, pug morto há 2 anos.
não tenho prova e nem evidência alguma disso, que tem tudo pra ser mera paranóia da minha cuca, mas fato é que não toco no móvel onde guardo os escritos desde a bem sucedida dedetização.
agora o ato é acompanhado de breve pânico, esperando que o pior ocorra, com direito a levar os pensamentos para a cama. noite dessas sonhei que ela tinha constituído família e que as pequenas brincavam entres os cardápios do tordesilhas e do bar do zezé.
tenho saído bem menos, devido a pandemia, de forma que terceirizar o vaso nem sempre é uma opção. mas, mesmo nas vezes que assim o faço, a imagem do revistário povoado sempre vem à mente.
então, como não tem como fugir das ideias que me atormentam, sigo usando o banheiro de casa na maior parte das vezes. afinal, como dizia minha mãe, cagar é em casa.
Alexandre Franchi says:
Levo álbuns de futebol incompletos e revista Placar das antigas.. o banheiro me traz de volta alguns perrengues do passado, mas com uma distância segura ..
3 de February de 2021 — 14:27
Marcelo says:
Que ninguém nos ouça, mas após uma dedetização mal sucedida no prédio andei alguns dias com o detefon no, com o perdão da palavra, coldre
4 de February de 2021 — 11:15
Luciano Gardim says:
Poxa, sem saber eu tenho a mesma filosofia de sua mãe. Cagar é em casa, sempre.
8 de February de 2021 — 21:38