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Boteco do JB

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o chef gargalhada

meu nome é júlio bernardo e gasto quase todo meu dinheiro com comida, bebida e viagens. minha condição clínica – além da obesidade mórbida e dos previsíveis problemas de meia idade a vida me deu um adicional de esclerose múltipla – sugere que frequente lugares fresquinhos. o apartamento para o qual me mudei é super arejado e já perdi as contas de quantas vezes considerei me mudar pra gonçalves, no sul de minas gerais.

quando soube que um chef de cozinha comandava um bistrô dentro de sua própria pousada de alto padrão em monte verde me virei pra conferir a parada, apesar das tarifas parisienses. até porque, como cronista gastronômico, gosto de conferir desde o ótimo carrinho de cachorro quente do seo ângelo até o excelente tiramisù do fasano. a meta sempre é passar bem.

não foi problema resistir aos temíveis sargados de estrada durante a viagem de 3 horas, perante a possibilidade de comer algo preparado pelas mãos do chef assim que chegasse, o que ocorreu às 22h30 de um sábado. tarde para o menu degustação, eu sei. mas nem era essa a intenção, só esperava ser recebido com algo quentinho, mesmo que uma sopa ou talvez um sanduíche. até porque o chef sabia da hora da minha chegada e tanto salão quanto cozinha trabalhavam a todo vapor enquanto me dirigia à recepção.

mas não ofereceram nada de comer. pra beber, uma garrafa de champagne e café nespresso à vonts no quarto. aliás, o lugar é todo cercado por máquinas de cápsula. fui dormir com fome na confortável cama. dorme que passa, assim diria minha mãe. e ainda sonhei com um risole de calabresa com catupiry tirando onda da minha cara rindo com a voz do chef.

no dia seguinte pude ver a beleza do terreno da hospedagem, cheio de árvores altas coisa e tal. meu cachorro tocou o terror no galinheiro e o ar me rejuvenesceu uns bons dez anos. com o estômago roncando, fui tomar café.

ou melhor, o entorno em volta do horroroso café de quinta categoria servido. pães apenas ok – mas que o sorridente chef fez questão de frisar que eram de fermentação natural – frutas, razoáveis embutidos regionais e, justiça seja escrita, bons pães de queijo. como o melhor tempero é a fome, comi praticamente tudo disposto em minha frente. aproveitando que o simpático chef fazia o serviço de mesa, puxei papo dizendo que estava ansioso pra provar a sua comida no jantar. sempre sorrindo, respondeu que o bistrô funcionava apenas às sextas e sábados, que mais tarde serviria o chá das cinco e nada mais. insisti um pouco, argumentei que não precisaria ser menu degustação, que poderia ser algo simples etc. mas não teve acordo. regras são regras e existem para serem cumpridas, mesmo que não façam o menor sentido num lugar tão caro.

curioso conceito de hospitalidade, esse.

o chef feliz nunca mais veio à mesa e o serviço de chá era uma variação sobre o mesmo tema, com destaque para a péssima bebida em si. como já sabia que a noite seria escassa, guardei pães e frios para comer mais tarde com um vinho que tinha trazido na mala pra beber com a comida jamais vista.

segunda no café já tava me sentindo na casa de chá as mestiças e assim foi até o checkout realizado na terça-feira.

tenho 47 anos e essa foi a primeira vez que vi um hotel caríssimo não ter serviço de restauração. ressaltando ainda que o lugar é no meio do mato, não existe a opção de atravessar a rua e comer algo na rua.

claro que as reclamações em questão foram passadas para o chef, que em nenhum momento ofereceu algo para recompensar o desconforto. nem palavras gentis, muito pelo contrário. ficou a impressão de que se tem dinheiro na conta, já tá de bom tamanho.

de volta a são paulo, passei bem mal por dois dias. culpa da alimentação incompleta? isso não posso afirmar, mas que não foi prazeroso ficar de sábado à noite até a tarde de terça sem fazer ao menos uma refeição, isso não foi.

publico sobre gastronomia desde 2007 e meu maior prazer é dar dicas transantes. mas também tenho orgulho de livrar leitoras e leitores de roubadas como essa. que esse texto sirva pra isso.

se quem ri por último ri melhor, que o último a rir esteja comendo e bebendo bem longe dali, diante de um momento de felicidade. porque no provence cottage o único a sorrir é o chef, aquele que gargalha da cara do hóspede.

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