passei fins de tarde da infância em armazéns de secos e molhados com meu pai e seus amigos. eles iam de cerveja, ele de campari ou cynar. pro seu mais completo orgulho, eu dava umas bebericada no seu copo sem fazer cara feia. ele, todo orgulhoso, tirava sarro sem dó de quem estava ao nosso redor. cês ficam bebendo esse mijo azedo aí e até meu filho que é muleque bebe melhor! dizia se referindo às cervejas populares disponíveis no fim do último milênio, anos 80.
embora o esforço pra não fazer careta fosse considerável, acho que foi por essa época que adquiri o gosto pelo amargo.
e levei isso comigo pela vida. até hoje, se estou num botequim ordinário num lugar quase sempre distante, dispenso a cerveja bosta, peço uma das duas bebidas em questão e ergo um brinde ao saudoso velho, falecido em 27 de julho de 1997, aos 41 anos.
todos esses anos bebidos fizeram com que aprendesse a usar os goró de maneira variada. dependendo da estrutura da espelunca, o amargo pode ser incrementado com gelo, laranja, limão e até água tônica. pronto, virou cocktail.
inclusive vivi tempo suficiente pra ver o amargo virar moda. negroni pra cá, boulevardier pra lá e assim vamos levando. há até quem jogue a responsabilidade disso nas minhas costas, eu prefiro dizer que quanto mais informação chegar ao bebedor, melhor. ele que busque o tão necessário filtro. faz parte do processo.
mas a vida às vezes contraria a monótona linha imaginária traçada pelo mestre vonnegut.
daí que nessa semana me apresentei ao lado de escritores que admiro muito num dos poucos bares muito bonitos da cidade. pouco acostumado a falar em público, o nervosismo se tornou ainda maior.
encostei no balcão do bar e cogitei pedir um old fashioned. como a marca do bourbon utilizado na casa não me agradava, solicitei o cardápio que só consegui enxergar com o auxílio da lanterna do celular. o cotidiano toda hora me faz lembrar que a meia-idade chegou.
mas eis que avisto um bom e velho conhecido companheiro, o cynar tônica. o pedi. copo longo com gelo qualquer, meia fatia de um tímido limão, tudo certo. era o conforto que eu precisava. antes de dar o tão desejado primeiro gole, fui interceptado por mário bortolotto:
– que que cê tá bebendo aí?
– cynar tônica, marião.
– porra. que merda, hein?
– ah, eu gosto.
– não, mano. é uma merda. isso aí é muito ruim, é o rappa engarrafado!
– …
mesmo com a alma armada e apontada para a cara do sossego, o drinque desceu um tanto torto e não provocou o efeito esperado. na verdade, acho que nunca mais beberei cynar.
porque não há memória afetiva que resista ao rappa.
Cézar Velázquez says:
Marião arrebenta como sempre!E o Rappa realmente é intragável.
14 de February de 2020 — 11:30
Bruno says:
AluCynar noite adentro
14 de February de 2020 — 12:05
Willians Thiago de Oliveira says:
Imagina seu Pai nos dias atuais, permitindo vc consumir álcool…seria preso e execrado publicamente.
Todo Pai, Tio, Avô e etc… (Época pre Nutella) permitia isso e tudo certo, nada demais.
14 de February de 2020 — 13:20
Mauricio says:
É Jota Bê, o poder destrutivo de uma metáfora. Só não sei o que será pior, o gosto de alcachofra que virá a boca quando ouvir o Rappa ou a voz do Falcão que vai ressoar quando der o primeiro gole de Cynar.
14 de February de 2020 — 14:08
Pedro says:
Verdade seja dita JB: Não fazia idéia do que era um Negroni antes de conhecer teu agora ressuscitado blog! Te agradeço por isso. Abraço.
14 de February de 2020 — 14:29
Salvio Moura says:
Faltou uma salmourinha
17 de February de 2020 — 14:28