ainda sobre o mst, estive bastante envolvido num braço desse movimento durante o ano passado. mais especificamente na unidade paulistana do armazém do campo, rede de lojas que vende no varejo alguns produtos vindos da reforma agrária.
promovi cerca de dez eventos, chamei chefs e músicos progressistas, foi uma boa farra.
anexo ao armazém tem uma pequena cafeteria, para a qual ensinei a fazer algumas comidas, trouxe um excelente confeiteiro para aulas, mais bom trabalho. no geral, tentei convencê-los de que não basta ter uma bandeira, mas também fazer boa comida com esses ingredientes vindos de origem tão digna. fechar com coerência a cadeia alimentar, era essa a minha missão. se não consegui cumpri-la por completo, espero ter plantado boas sementes e sempre estarei à disposição para eventuais melhoras no trabalho dessa, de outras lojas e também de todo o movimento, que tem cumprido papel tão fundamental no meio dessa pandemia. se o campo não planta, a cidade não janta.
uma vez dentro do movimento, me chamou a atenção o orgulho deles pelo café orgânico servido na cafeteria do armazém. coloquei na mesa que produto orgânico não é sinônimo de boa bebida e que não só poderíamos, mas deveríamos elevar a qualidade da bebida em questão. nascia aí o projeto do café da reforma agrária.
montamos belo time e fizemos uma expedição à região de campo do meio, sul de minas gerais. lá, junto a famílias humildes e trabalhadoras, constatei que o problema exposto na xícara vai muito além de uma torrefação que de fato deveria ser melhor.
duras condições de trabalho, ameaças de despejo, entre outras coisas. pro café da reforma agrária acontecer da maneira como quero, são uns 10 anos de trabalho, com sério risco do governo jogar todo esforço no lixo do dia para a noite. questões complexas que envolvem fatores políticos. o que só me motiva mais. não sei como andam as coisas agora, mas se solicitarem minha ajuda, ressalto que estou à disposição.
nossa expedição teve a honra de dormir na casa do paulo, assentado e produtor de café muito culto e gente fina. pra reverter os valores desse projeto chamado brasil, é preciso fazer o caminho reverso do café, que deixe de ser símbolo de atraso e colonialismo.
fiz um torresminho e cozinhei porco caipira com vários legumes e ervas lindas da vizinhança, bebemos cachaça, numa noite linda de morrer.
mas, antes da morte, o sono. colchão posto num pequeno quarto só pra mim, pensei que livraria o time do meu potente ronco e que conseguiria manter o segredo de que grito de 3 em 3 horas no meio da madrugada. mas esqueci de fechar a porta. e também não lembrei que o combo de ronco + gritos eventualmente pode ser acompanhado de performances de sonambulismo, independente do desejo da platéia.
– AAAAAH! EU NÃO QUEEEROO! AAAHH! EU NÃO QUEEEROOO! – assim berrei andando na pequena sala na frente dos 2 quartos da casa, segundo a amiga barista que tinha levantado pra ir no banheiro e se assustou comigo, que acordei assustado também e berrei novamente bem na cara dela, que com calma budista me levou de volta ao leito e só faltou cantarolar uma canção de ninar, o que creio que não ocorreu pelo nítido pânico exposto em seus olhos claros. compreensível.
silêncio sepulcral nos brindou na manhã seguinte e ninguém mencionou o escândalo que tenho certeza de ter sido escutado.
até hoje não sei o que quis dizer naquela noite, mas sei que depois dessa o mst não me chamou mais pra ir pra essas bandas. com a mais absoluta razão, diga-se. espero não ter atrapalhado projeto tão lindo.
o que quero mesmo é que bons cafés de fato estejam disponíveis na mesa do trabalhador. enquanto a gastronomia for tratada como item de luxo, estamos condenados a seguir no terceiro mundo.
Zeno Bocardo Pereira says:
que texto meu caro! que texto!
18 de June de 2020 — 14:27
André Hartel says:
Você estava dizendo que não queria o Bozo, JB.
19 de June de 2020 — 07:38