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Boteco do JB

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jovens tardes de domingo

herdei do meu pai a profissão que fez com que crescesse entre frangos gelados desde as primeiras horas da madrugada. o bom feirante compra o penoso inteiro e chega nos seus próprios cortes, pra ter bom produto e maior margem de lucro. feirante que compra o frango já cortado não passa de mero amador.

até porque também vendíamos os frangos inteiros para famílias e padarias. nos anos 80 eles vinham recheados com pé, pescoço, moela, coração e fígado; hoje não tenho a mínima ideia se esse padrão foi mantido. como as panificadoras não faziam questão dos miúdos, tirávamos o recheio dos frangos menores e o vendíamos avulso, na barraca de feira.

sim, menores. por comprar a quilo, as padarias priorizavam frangos bem mirradinhos, quase galetos. sem problema, separava tudo bem cedo, tinha pra todo mundo.

dava um trampo, mas domingo era dia de desforra. trabalhando e bebendo há muitas horas, o estado de alguns lá pelas 15h era absolutamente deplorável. e era assim que chegávamos na delícia real, saudosa panificadora da rua schilling, vila hamburguesa, maior concentração de bucheiros da zona oeste paulistana.

cerveja gelada para alguns, campari pra mim e traz um desses frangos assados aqui pro balcão enquanto papeamos e pagamos um pau pra essa curiosa técnica de corte com a tesoura.

poucas coisas são mais gostosas que pele de frango e aquela era tão douradinha que dava gosto de ver que nossa venda não tinha sido à toa. batatinhas banhadas com o óleo galináceo escorrido e boa farofa formavam a deliciosa dupla de alegoria e adereço que completava nosso almoção.

muito tempo depois, sob quarentena, pedi um frango assado nesses lugares contemporâneos que sempre me provocam certa desconfiança. mas até que tava bem bom, além de trazer toda essa carga de lembrança afetiva pra mim, que provavelmente tenho mais passado que futuro.

após quase 50 anos de vida, meu domingo ainda é sinônimo de frango assado e isso ainda não me tiraram. assim como não tem como arrancar da memória as velhas ruas lapeanas onde jogava taco. que a horrorosa moemização do pedaço onde cresci fique para os jovens, me tirem fora dessa.

tudo isso pra dizer que hoje é domingo e considero cada vez mais fortemente a possibilidade de pedir um frango. o copo de campari com gelo e laranja já tá na mão.

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