é no alto da vila madalena, longe do agito infernal aspicuelteano, que cozinha aquela que veio do interior paulista e já teve premiado restaurante na china.
o restaurante que carrega o peso de seu nome já passou por perrengues, tais como movimento mais fraco, associação de imagem com marca de café de cápsula, entre outras coisas.
o lugar está longe da perfeição. salão com um estranho banheiro bem no meio dele, drinques que imploram para não serem pedidos e oferta pífia de cervejas. a carta de vinhos, que já foi ruim, hoje está bem cuidada.
a cozinha também tem seus vacilos. mas acontece que a chef em questão realmente é muito boa no que faz. daí, nos anos em que morei ali por perto, valia correr o risco da boa aposta.
quando vim para o lugar onde me achei, o centro paulistano, diminui a frequência.
mas ontem bateu saudade de seu rango e bem informados espiões me deram a letra de que as tais cápsulas foram defenestradas pela porta dos fundos obscuros de onde nunca deveriam ter emergido. que retornem às trevas, elas. e que a viagem seja horrível.
ao chegar dou uma olhada na cozinha e o clima é bom. nunca vi a cozinheira com uma cara tão boa. levei um grande sake para a ocasião e comi de entrada lulas incríveis .
principal, algo que mexe muito com minha memória afetiva, prato de mãe: frango com creme de milho.
nesse caso, coxa e sobrecoxa caipira com milho orgânico. sou de um tempo em que essas descrições eram desnecessárias. bastava boa comida no prato e pronto. boa procedência do produto é obrigação do cozinheiro. mas não sou contra a explicação, desde que feita com discrição e elegância, o que foi o caso.
o sabor? apenas o primeiro frango com creme de milho que se deve comparar com o da minha saudosa mãe. não é pouco. em gastronomia, nada bate a lembrança afetiva. e é óbvio que se vier com a assinatura de uma grande cozinheira a coisa só melhora. muito.
antes do bom café tirado na prensa francesa, vivi traz à mesa um denso bolo de chocolate que tava um absurdo de gostoso. o doce veio da mesa ao lado, aniversário de 81 anos de sua mãe.
o dia em que seu frango com milho remeteu à comida da minha mãe era aniversário da sua. e passamos juntos, mesmo que indiretamente. dona nice aprovaria, o círculo sempre se fecha.
nem sempre se perde e as pequenas vitórias devem ser desfrutadas e permanecer na memória pelo restante dos dias.
obrigado, chef.
Hannah Levy says:
💎
9 de February de 2020 — 13:13
Daniel says:
Sempre bom prestigiar ! ! !
9 de February de 2020 — 14:17
Thalys Guimarães says:
A escrita está inspiradíssima, JB. Lindo mesmo.
9 de February de 2020 — 15:01
VAGNER COSTA says:
Cara, que foda você ter voltado a escrever assim diariamente… suas crônicas sempre me emocionam. Abraços
10 de February de 2020 — 10:07
Willians Thiago de Oliveira says:
Belíssimo texto !!!
10 de February de 2020 — 12:35
rintintin says:
Tempos atrás fui com ex-namorada para uma cidadezinha de Minas. Na volta, interior do Estado, não se encontrava um restaurante. Restou um beira de estrada, no caso, terra batida, onde os clientes se serviam direto de panelas que repousavam no fogão. Não achei legal essa circulação na cozinha, tampouco minha companhia combinava com o ambiente, no caso minha ex, patricinha da Chácara Klabin. A comida entretanto lembrava a da minha falecida avó, a pessoa mais doce que já conheci. Repeti três vezes.
10 de February de 2020 — 13:25
Rb Sena says:
Precioso e emocionante texto. Parabéns e continue a escrita!
10 de February de 2020 — 14:21
Mauricio says:
Que primor de texto!! Parabéns, Jota
11 de February de 2020 — 14:37
werton coutinho says:
Bem retratado, lembrou-me o filme Ratatouille
13 de February de 2020 — 13:12
Marcos Paulo says:
Texto muito emocionante, Jota!
19 de February de 2020 — 15:23