fbpx

Boteco do JB

Menu Close

Month: February 2020 (page 3 of 3)

comida de mãe

é no alto da vila madalena, longe do agito infernal aspicuelteano, que cozinha aquela que veio do interior paulista e já teve premiado restaurante na china.

o restaurante que carrega o peso de seu nome já passou por perrengues, tais como movimento mais fraco, associação de imagem com marca de café de cápsula, entre outras coisas.

o lugar está longe da perfeição. salão com um estranho banheiro bem no meio dele, drinques que imploram para não serem pedidos e oferta pífia de cervejas. a carta de vinhos, que já foi ruim, hoje está bem cuidada.

a cozinha também tem seus vacilos. mas acontece que a chef em questão realmente é muito boa no que faz. daí, nos anos em que morei ali por perto, valia correr o risco da boa aposta.

quando vim para o lugar onde me achei, o centro paulistano, diminui a frequência.

mas ontem bateu saudade de seu rango e bem informados espiões me deram a letra de que as tais cápsulas foram defenestradas pela porta dos fundos obscuros de onde nunca deveriam ter emergido. que retornem às trevas, elas. e que a viagem seja horrível.

ao chegar dou uma olhada na cozinha e o clima é bom. nunca vi a cozinheira com uma cara tão boa. levei um grande sake para a ocasião e comi de entrada lulas incríveis .

principal, algo que mexe muito com minha memória afetiva, prato de mãe: frango com creme de milho.

nesse caso, coxa e sobrecoxa caipira com milho orgânico. sou de um tempo em que essas descrições eram desnecessárias. bastava boa comida no prato e pronto. boa procedência do produto é obrigação do cozinheiro. mas não sou contra a explicação, desde que feita com discrição e elegância, o que foi o caso.

o sabor? apenas o primeiro frango com creme de milho que se deve comparar com o da minha saudosa mãe. não é pouco. em gastronomia, nada bate a lembrança afetiva. e é óbvio que se vier com a assinatura de uma grande cozinheira a coisa só melhora. muito.

antes do bom café tirado na prensa francesa, vivi traz à mesa um denso bolo de chocolate que tava um absurdo de gostoso. o doce veio da mesa ao lado, aniversário de 81 anos de sua mãe.

o dia em que seu frango com milho remeteu à comida da minha mãe era aniversário da sua. e passamos juntos, mesmo que indiretamente. dona nice aprovaria, o círculo sempre se fecha.

nem sempre se perde e as pequenas vitórias devem ser desfrutadas e permanecer na memória pelo restante dos dias.

obrigado, chef.

a segunda visita

nessa semana o lugar escolhido para celebrar discretamente os 40 invernos de uma amiga querida foi um restaurante aberto há cerca de 1 ano, no qual tinha ido apenas uma vez.

na primeira visita comi boas entradas, principal sofrível e ótimas sobremesas. pra beber, carta de vinhos bem fraca e um coquetel mais desequilibrado que a carreira do senador fernando collor de melo. mas tinha cupuaçu sour, às vezes uma cerveja legal salva a parte etílica da noite. e essa é bem legal, creia-me.

vacinado, levei minhas próprias garrafas. soube que a carta foi reformada, não a abri pra conferir. outra amiga presente escolheu um vinho que tava fresco, decente. e ainda bebi duas ou três taças de jerez, o goró deu certo.

embora não tenha arriscado o coquetel, notei que o bartender mudou. pra melhor. o atual, conhecido meu de longa data, é grande profissional, dos mais talentosos da cidade. e, embora estivesse na sintonia do vinho, me dá uma segurança danada saber que posso pedir um drink a qualquer momento e que ele sairá direito, como manda o figurino.

como estávamos em 4 afegãos e o cardápio é curto, deu pra pedi-lo quase inteiro. o que já era bom estava ainda melhor e o que não entregava evoluiu de maneira notável. destaque para o ótimo codeguim e o delicioso arroz com morcilla.

claro que é preciso ter talento pra se elevar, mas não é esse o ponto. muito menos sorte. estamos falando de trabalho sério e duro. não há segredo mágico. ressalto: trabalho.

o café apenas razoável fechou a experiência em nível decrescente. mas a equipe é inteligente o bastante para logo consertar isso. é difícil manter alto padrão de excelência o tempo todo, muito detalhe pra cuidar. e, além do mais, o café estava longe de ser ruim e bem distante do universo das malditas cápsulas.

o charco é um tapa na cara dos filhinhos de papai que mal sabem segurar uma praça na cozinha, mas zurram discurso pronto sobre fermentação espontânea e vinhos naturais na ponta da língua, mesmo sem dominar o assunto. e um soco no estômago de chefs vendidos pra indústria que envelheceram tão mal quanto josé mayer.

não considero o lugar aconchegante e não vou nem um pouco com a cara do público metido a besta que paga as contas da operação do restaurante. mas, se começar a reparar muito nisso toda hora, sairei de casa ainda menos, o que nem é de todo mal.

às vezes é preciso ter foco no prato.

e no copo.

tortosco

uma das coisas mais legais em publicar um livro é a oportunidade de lançá-lo em diferentes cidades. quando possível, ainda tenho a cara de pau de resgatar pessoas da cena audiovisual local pra gravar uns bagulhos pro meu famigerado canal no youtube. alguns dos programas mais legais foram gravados em belém do pará, pra onde estou louco pra voltar.

profissionais gente fina que entram no espírito de guerrilha do canal, trampando por meia dúzia de copo meio vazio e olhe lá.

o meu papel tento cumprir, gerando conteúdo até que razoável sem me vender pra marca de tempero pronto tosco, lingüiça com salitre, cápsula de café, etc.

e isso não é autoelogio, é obrigação. questão de honra e vergonha na cara.

repare que nem falo mal da indústria. há produtos bem ok por aí. mas jamais faria merchand de algo que não consumo. meu maior patrimônio é minha propriedade intelectual. o dia que perder isso tô fudido.

ética essa que trago pra todo trabalho que faço. no ano passado estive em curitiba pra lançar o último livro. aliás, que cidade legal. moraria lá fácil. ar puro, bons cafés e gente sem falsidade. quer dizer, pelo menos os que me receberam.

equipe montada e três ou quatro programas gravados. logo no ar. até cerveja fiz com um amigo querido e dono de talento único.

nesse momento a sucursal paulistana mexe na edição dos programas paranaenses, tá quase pronto. demoramos, mas caprichamos.

e é nessa função que estávamos quando soubemos que o dono de um bar onde filmamos socou uma mulher.

um soco numa mulher.

não preciso nem dizer que o material já foi pro lixo. à merda, ele. que se foda.

como o assunto está em evidência, a audiência do que jamais irá ao ar seria bem alta.

mas a vida não é só isso. seja decente contigo, com os teus, com todos. foda-se os likes, etc. podemos e devemos ser pessoas melhores.

agora, parando pra pensar, me chamou atenção um troço. qual é probabilidade de ser legal uma figura que batiza seu próprio bar com o nome de um jogador de futebol que batia em mulheres?

fui ingênuo e burro. ainda bem que nesse caso a demora em publicar no canal jogou a favor. sem dar ibope pra esse tipo de gente.

que morra e apodreça entre burgers bosta e chopps de caneca congelada na unidade inferno do madero.

seo ângelo

quando se tem mais passado que futuro viver também é um ritual de despedida de coisas e memórias, enquanto se marcha em direção à inevitável morte.

ontem soube do falecimento do seo ângelo, que comandava um carrinho de cachorro-quente na frente do shopping center lapa desde 1963.

seu sanduíche vem de uma época pré batata palha, ervilha, reboco. e era o único dog com purê possível. esse que por sua vez leva cheiro-verde e é feito diariamente.

o tempo do verbo está correto. não era, é. pois seu filho está à frente da operação há bom tempo e deve seguir com a mesma competência de sempre, além do respeito à tradição. é isso que todos esperamos.

cresci nas ruas da vila leopoldina, onde jogava taco e catava no gol em peladas que ficaram nos anais da história. sempre que estreava um filme dos trapalhões eu e minha mãe pegávamos o 8615 em direção ao centro – ou à cidade, como diziam os antigos operários – e descíamos no último ponto da brigadeiro gavião peixoto, próximo à praça que desemboca na doze de outubro, rua comercial com várias lojinhas de roupa, numa das quais trampava uma gatinha loira com mancha na perna que nunca deu bola pra mim e logo depois se tornou fenômeno televisivo. ela foi de táxi, eu segui de busão por mais um tempo. mas, seguindo o trajeto, antes de chegar no shopping, na frente do corpo de bombeiros, ainda existe a excelente pastelaria aurora, onde mandava uns 3 de pizza antes da sessão da tarde. outra hora escrevo sobre esse templo.

filme visto, era depois que vinha a maior recompensa, o ponto alto do rolê. como eu gostava daquele cachorro-quente, puta que pariu. comia pelo menos dois, essa é uma das melhores lembranças afetivas da minha infância. às vezes ainda volto lá, discretamente.

e agora seo ângelo se foi, após quase 60 anos de serviço na mesma rua, alegrando a vida de tantos como eu, que cresceram à sua sombra. difícil imaginar um ofício mais digno, especialmente nesses tempos em que riquinhos fingem que trabalham, abrindo bares e restaurantes bem abaixo do medíocre como se não houvesse amanhã, após uma ou duas semanas de estágios bobos em cozinhas estreladas onde não aprendem porra nenhuma, devido ao desrespeitoso pouquíssimo tempo trabalhado. e não coloco a conta da comida ruim nos clientes que fingem que comem, porque quem serve deve ter honestidade e ser pessoa honrada.

honra que nunca faltou ao seo ângelo, esse gigante. há alguns anos tive o privilégio de agradecê-lo pessoalmente por alguns dos momentos mais felizes dos meus primeiros anos e aqui fica o registro público, além do abraço fraternal em toda sua família.

obrigado, seo ângelo!

viva a livraria de rua

sou semianalfabeto digital, quem montou o design desse blog foi um amigo muito querido e paciente. talentoso que é, o fez exatamente do jeito que pedi. nessa semana ele incorporou um aplicativo que faz com que eu veja facilmente as estatísticas de audiência e me explicou com bastante calma os detalhes da simples operação. estúpido e previsível que sou, claro que não consegui fazê-lo. minha mídia preferida é o livro físico mesmo. curioso que quem me abriu as portas pra começar a escrevê-los foi meu antigo blog.

mas, falando nisso, ontem tive boa reunião com o valente editor santista que publicou edifício tristeza e a mão que balança o copo. achamos bastante razoável que lancemos ainda nesse ano meu projeto de livro de receitas e que os escritos desse ano nesse sítio sejam revisados e transformados em livro pra 2021. acho um bom plano. não deve ser sucesso comercial, mas o que mais importa pra mim é fazer o que gosto.

também falamos um pouco sobre a amazon, que hoje é minha maior cliente e de boa parte dos escritores. a relação leonina com as editoras é muito parecida com a situação imposta pela cultura e saraiva que resultou na falência de muita gente honesta e pequena.

se primeiro trocaram os livreiros por tijolos, agora gente escrota usa a tecnologia pra tentar matar a literatura.

mas não conseguirão.

porque começa a pipocar em tudo quanto é canto interessantes livrarias de rua e prevejo que em 2020 o livro será o novo vinil. o que é bom, independente da provável moda. quanto mais leitoras e leitores, melhor.

mora num lugar que não tem acesso a esse tipo de comércio e quer comprar ajudando um mercado que realmente pensa em ti? simples. compre pelo site das próprias editoras ou nas tais livrarias pequenas. em algumas delas dá até pra ligar e realizar sua própria encomenda. quando foi que esqueceram que o aparelho telefônico também permite esse tipo de operação mais simples e de melhor gosto que a famigerada selfie?

nesses tempos tão sombrios, o livro é das maiores resistências que uma civilização pode ter.

menos armas, mais livros.

morte ao sachê moderno

poucas coisas são mais nojentas que um sachê de condimento. não confie em mudanças impostas por leis arbitrárias movidas pela indústria alimentícia. sempre alguém muito longe de ti ganha rios de dinheiro com tais ações.

o problema maior é que se usa mais de um sachê por sanduíche. já no segundo sua mão está engordurada e aí talvez você tenha que usar seus próprios dentes pra abrir o segundo, sendo que a missão nem sempre é bem sucedida. tem gente que inclusive deposita o sachê de volta na cesta e pode ser esse que você acabou de colocar na boca.

limpinho, né?

nem que a lanchonete tenha bons procedimentos de higiene, armazenando os malditos na geladeira após o expediente, ela não é páreo pro fator humano, que faz essas gracinhas.

sem contar que nem todo lugar é limpo. grande parte nem tira os sachês da cesta de palha e as empilha numa prateleira qualquer. sabe o que mais chama ratazanas e a barata dançando iê iê iê? se você pensou restos de alimentos, acertou. todo ser vivo precisa comer e a escuridão é a hora desses seres.

então, além de beijar um humaninho de tabela você também dá indiretamente uns cato em tudo quanto é tipo de inseto. suruba nojentona na tua boca.

nem entrarei no mérito do irrito sem fim que é qualquer tentativa de abrir uma porcaria dessa, do jeito que for. tira todo o prazer de comer um sanduíche e desperta alguns dos meus piores sentimentos.

bisnaga é a solução? depende. essas genéricas podem trazer outros tipos de problema, como adulteração de produto, já que o comerciante pode colocar o que quiser nela, inclusive misturar marcas, acrescentar água com dengue, encher uma bisnaga na outra, etc. uma farra.

a maneira mais higiênica possível de oferecer esse tipo de serviço é ter a bisnaga original da fábrica. mas se atente à data de validade. e nem assim a segurança é garantida. já cansei de ver lugar chique adulterar esse tipo de embalagem.

mas, então. o que fazer? leva a mostarda de casa e pergunta se cobram taxa de rolha? além de muito trampo, soaria deselegante.

a resposta é simples. um dos maiores problemas do ser humano é mera questão de posicionamento, não saber muito bem onde está. se ligue. ir nos lugares de sua própria confiança é a grande solução e também a arma mais poderosa contra uma provável doença desagradável. mas se atente aos detalhes e desencane dos bailinhos ocorridos na calada da noite.

porque a segurança total jamais estará ao seu alcance.

coelho com cenoura

escrever um livro do meu jeito é acima de tudo um exercício de resgate de memória. foi assim com meus quatro títulos publicados e a história se repete agora que tento escrever um livro de receitas crônicas. a situação exige até mais atenção, já que lido também com lembranças de odores e sabores, alguns de infância.

em 2005 criei um prato de páscoa no meu último restaurante. coelho com cenouras. pensamento infantil, eu sei. mas era gostoso. o problema é que não me lembro exatamente como eu o preparava. o caderno de receitas que habita minha mente tem a média de uma página apagada por dia. lançar esse livro será uma corrida contra o tempo.

daí quando vi que o lugar de um cozinheiro mais jovem servia algo parecido fui lá conferir. de alguma forma sempre se aprende com os mais jovens, mesmo que seja o que não fazer. embora, após algum sacrifício, já tenha me lembrado quase que por inteiro como eu preparava o prato, inspiração sempre cai bem e pode até ajudar a atualizar o prato. além do mais, não posso esquecer que quem vai cozinhar não sou eu, mas sim o leitor. grande responsabilidade.

pois lá vamos nós para o condado faria limer. salão ok e equipe muito simpática, começamos bem.

a carta de cocktails, onde predomina parceria com gim brasileiro tosco e as marcas que a diageo pede pra colocar é um convite à sobriedade, mas a oferta de copos de vinho é boa, até sidra tem. quem quer beber bem se vira.

infelizmente o garçom de largada já avisa que o coelho tinha acabado. embora tenha ido lá pra isso, já passava das 15h de um almoço dominical, é compreensível acabar. fica pra outro dia. mas agora precisava almoçar.

boa parte do cardápio, com excesso de espumas e esferas, é um tanto datado e constrangedor. como se fosse uma coletânea do pior da carreira de felipe bronze. pra pedir, é preciso fugir das roubadas. tem que tentar o dibre, luciano! assim dizia o jogador preferido do maradona para um saudoso locutor esportivo ao vivo na bandeirantes, o canal do esporte.

patê de fígado de frango é algo que adoro e onde tem o peço, assim o fiz. uma pena que o que veio foi uma instalação romerobrittiana com tanta poluição visual e tantos ingredientes que o que menos se sentia era o gosto do patê. uma catástrofe tão grande que poderia ser servida no tuju. claro que não comi nem metade. se for pra engordar, que seja por comida gostosa, não por esse tipo de coisa.

como principal, algo que prometia no cardápio ser um socarrat de canjiquinha com lula, timo e favas – excelente ideia, que remete à origem mineira do chef – não atingiu o ponto desejado que denomina o prato. problema de execução ou medo do fogo? não sei. o mais importante é que tava muito gostoso, apenas mudaria o nome.

nisso olhei em minha volta e observei o perfil da clientela, que parecia ter saído de uma festa de música eletrônica em jurerê internacional. ninguém ali dá a mínima pra comida. zumbis abduzidos pelas selfies tiradas de seus celulares, suas almas foram raptadas por malditas mensagens de áudio. aí fica difícil cozinhar mesmo. como se equilibra boa comida com viabilidade comercial para esse tipo de público?

a sobremesa com goiaba parecia inspirada naquele confeiteiro bacanudo francês, cédric grolet. tava gostosa, comeria de novo. e tinha café espresso e bom café coado, fui no segundo. os sócios caíram no xaveco da indústria de bebidas, mas não do café de cápsula. ponto pra eles. há esperança.

antes de ir embora, um dos jovens sócios se apresentou pra mim com timidez e elegância, disse que a casa tinha apenas 45 dias, o que eu não sabia. deveria ter feito a lição de casa antes de sair, minha responsabilidade. mas a obsessão pelo coelho me cegou.

todos foram tão gente boa comigo que considerei não publicar sobre o assunto, mas não resisti ao texto, que já se desenhava na minha cabeça desde a chegada do abominável patê de fígado.

muito restaurante recém-inaugurado, grande parte deles comandado por gente nova. a época não é de colheita, mas sim a de dar tempo ao tempo pra se acertarem, enquanto se prestigia os lugares bons de fato. acho que esse é o caminho, raras exceções.

o benza me parece ter o principal: um chef que sabe cozinhar. meio estranho escrever isso. o que deveria ser obrigação de todos é tão incomum no novo cenário millenial paulistano que soa como elogio. mas é fato. e seu pequeno restaurante se enquadra na categoria promissor. estimo a melhor sorte do mundo a ele e espero voltar em breve. quem sabe pra comer um coelho?

domingo

cresci numa época em que o domingo era celebrado em família, com mesa farta. embora vez ou outra pintava uns frangão assado daora, não era nem a qualidade da comida que importava, mas sim a reunião entre familiares e agregados.

hoje nem família há mais. vivemos sob a era dos solitários que sobrevivem à base do delivery.

eu? sempre fui só, filho único. adolescência, anos 80, feira livre. domingo era o dia de maior movimento. me contentava ajudando a alimentar as tais famílias cujas características se perderam. sempre gostei de servir.

dois de fevereiro de 2020, outro milênio, domingo de novo. se pudesse voltar no tempo, estaria numa banca de feira em osasco nesse instante. jamais conheci tanta gente decente depois, em tantos lugares em que passei, em áreas tão diferentes.

mas acordei disposto e devo ir pra cozinha em algum momento. estou escrevendo novo livro com receitas e crônicas de comida, em homenagem à nina horta, a maior de todas.

nina era exímia bebedora de martinis e já tive o prazer de preparar alguns pra ela, que chegou a topar escrever o posfácio da mão que balança o copo, meu livro sobre cocktails. infelizmente sua saúde não permitiu que isso ocorresse.

queria passar o fim de tarde no cu do padre, antigo boteco no largo da batata, onde dois respeitáveis senhores faziam malabares com gelo muito antes da famigerada expressão flair ser cunhada por alguns. era lá que tinha a domingueira, nada menos que uma deliciosa caipira de limão com maracujá. a minha com pouco açúcar, os velhos sabiam de cor. pra comer? provolone, calabresa ou provolone com calabresa. no prato ou no pão. os velhos se foram e o filho de um deles, que tocava bateria numa banda de blues onde se posicionava corretamente no palco (na frente dos outros músicos), chegou a tocar também o negócio por um tempo, mas logo desistiu. que derrota.

afinal, o que é a vida?

o espaço físico onde já foi o bar hoje pertence a um grupo que se dedica a foder de cabo a rabo bares históricos da cidade e ainda tem a cara de pau de manter os nomes originais, capitalizando toscamente em cima de histórias boêmias. toda vez que entro numa locação dessas – que é o que virou, uma locação – me bate uma angústia danada. se existir uma pós-vida, desejo profundamente que os sócios desse grupo passem toda eternidade arrastando correntes em tardes de um sábado sem fim no bar brahma. poucas visões de inferno são mais aterrorizantes que essa.

com essa história de testar receita pro livro, tem sobrado um tanto de comida aqui em casa, já que sigo vivendo só. costumo distribuir a alguns moradores de rua aqui do centro, que não ligam muito. às vezes uma garrafa de pinga conforta mais. nunca houve tantos deles e a impressão que passam é que sempre estão a um passo do suicídio. em seguida devo beber uns campari na esquina suja na região da duque de caxias cujo endereço certinho jamais darei pra ninguém. é lá que resmungo sozinho o saudosismo de uma cidade que só existe ainda na minha cabeça.

e você? onde passa o domingo?

fevereiro

inspirado por um livro de patti smith, escrevi durante o ano passado inteiro um diário que deveria render um livro.

o li com atenção, antes de mandar para o editor, o que não fiz, já que o material bruto estava horroroso, desses que nem um mágico salvaria. apaguei o arquivo, para o bem de todos.

agora me comprometi a atualizar esse blog diariamente, o que tem sido bastante difícil, antes mesmo de completar um mês de vida.

a ideia aqui é também a de reabordar alguns temas, com a enorme pretensão de escrever um pouco melhor, pra quem sabe agora conseguir reunir material para um livro de fato.

talvez os quatro fracassos literários anteriores, sobre os quais divagarei um por um, tenham me ensinado pouca coisa.

não instalei aquele troço que permite com que se veja quantos acessos tenho por dia, mas é um tanto estranha a sensação de que escrevo pra ainda menos gente.

a doença degenerativa também não ajuda. há dias melhores e outros não tão bons, como o de hoje. tive febre durante a noite inteira, agora são 13h e meu cachorro nem passeou ainda. em tempo, o primeiro que me falar em vitamina d mando pra puta que pariu.

mas o importante é que, mesmo a trancos e barrancos, consegui fazer a atualização diária. que amanhã seja mais inspirada.

aos que tem criticado meu português, só peço desculpas. além de não ser lá muito letrado, o tempo tem jogado contra, não a favor. cada dia é um 7 a 1 diferente.

acho que amanhã é dia da yemanja do meu saco, o que não significa porra nenhuma pra mim.

bom sábado a todos e até amanhã, se a saúde assim permitir.

© 2024 Boteco do JB. All rights reserved.

Theme by Anders Norén.