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o bacalhau do tio waldir

nunca mais haverá uma casa térrea de paredes verdes como aquela em que morei com meus pais na rua teerã, parque da lapa, entre o fim dos anos 70 e o começo da década seguinte.

lugar de botijão de gás era na garagem, dado que o pequeno caminhão do velho era movido por esse combustível. mas claro que minha mãe tinha acesso ao estoque para sempre manter o fogão da família abastecido na linda cozinha de azulejos cor de rosa.

uma vez por mês o almoço tardio de domingo – família de feirante sempre almoça depois de todos – era bacalhau assado. na mesa da sala de jantar sem aparelho televisor eu, meus pais e um outro irmão da minha mãe nos esbaldávamos do peixe com pimentão, paio e batatas como se não houvesse amanhã.

poderia escrever um livro só com os ocorridos na casa que talvez morasse até hoje, se o dono não a requisitasse para sua família demolir e construir dois sobrados cafonérrimos em seu lugar. nós? nos mudamos para um pequeno sobrado caindo aos pedaços na rua sebastião bach, vila leopoldina, na frente da fábrica de violões da giannini e ao lado de uma casa térrea onde morava uma família que dizia ser de garça e parente do waldir peres, que nunca deu as caras no pedaço, talvez porque estivesse muito ocupado fazendo história no são paulo futebol clube.

a nova residência pertencia ao mesmo dono da morada anterior, um senhor português que prometeu mundos e fundos em planos de reforma pra compensar nossa saída repentina antes do fim de contrato de locação, como uma maneira de recompensação ao atendimento de seu pedido. claro que ele não cumpriu sua parte, e assim descobrimos que o fio de bigode do seo manuel não tinha o menor valor.

umidade, enchentes, ratos e baratas voadoras. assim se tornou a rotina dos nossos dias, a simples lembrança não me faz assim muito bem. mas tentávamos nos divertir, na medida do possível.

superado o susto da nova acomodação, minha mãe promoveu sua tradicional bacalhoada dominical, chamando pra se juntar a mim e meu pai, dois irmãos e a vizinha, que ficou de levar o tio waldir, esse que por sua vez provavelmente nunca nem soube do convite. décadas depois, quando o recebi na minha casa na república, fiquei sem graça de perguntar sobre o improvável parentesco.

enquanto os convidados reunidos matavam as cervejas da geladeira com uma sede afegã, minha mãe fritava no tacho e servia de mão em mão deliciosos pasteis feitos por dona yoko, talentosa senhorinha japonesa que tinha enorme banca na célebre feira dominical do jardim santo antônio, osasco, ao lado da feira do rolo, onde se podia comprar de toca-fitas a trezoitão.

o cair da noite era a deixa pra por a mesa coberta por bonita toalha colorida, daquele tipo que não existe mais.

quando estávamos sentados à mesa esperando pela chegada da minha mãe com a estrela principal do almoço ouvimos seu grito gutural da cozinha. claro que nos levantamos pra checar o ocorrido no cômodo vizinho.

lá estava ela encostada na parede do canto, pálida tal como um cadáver, de frente para o forno aberto com a assadeira à vista com uma enorme ratazana repousando sobre os restos do bacalhau. enquanto a vizinha de garça a acudiu meu pai habilmente limpou a área do crime e em seguida conseguiu convencer todos a ir no grupo sergio, único rodízio de pizza possível na história da humanidade. dividimos o grupo entre o del rey do meu tio e o caminhão a gás do meu pai. eu fui com o velho.

aquele caminhãozinho era o maior barato.

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