há pouco mais de uma ano estava com alguns amigos cozinheiros na região metropolitana de porto alegre para a festa da colheita do arroz do mst. pra quem não sabe, o mst é responsável pela maior produção de arroz orgânico da america latina.
entre os amigos presentes, o ilustríssimo checho gonzales, com quem tive a honra de dividir o quarto num simpático hotel à beira da estrada.
pequena confusão no check in. cheguei antes, mas sabia que a reserva estava em seu nome. tentei todas combinações possíveis, mas não consegui identificar o enigma. me restou passar a manhã esperando o amigo numa espécie de jardim de inverno, com gostoso sol contra a face. junho é mês assaz aprazível nessa região.
eis que chega o andino, sob a névoa daquela tranquilidade invejável que nunca terei, e resolve o mistério rapidamente, esclarecendo que seu primeiro nome é churchill, em homenagem ao velho primeiro ministro. ainda na infância, os amiguinhos bolivianos arredondaram pra checho, já gonzales acho que foi batismo de brasileiro mesmo. rimos muito.
a viagem em si foi uma das mais legais que já fiz. conheci assentamentos, acampamentos e a rica rotina das pessoas envolvidas, sua culinária e uma atenção pela educação que deveria ser exemplo a ser seguido pelo país todo.
em tempo. numa outra viagem, dessa vez a minas gerais, tive a honra de conhecer outros assentados e acampados, de perfil um pouco diferente, mas igualmente digno. se tivesse condições passaria o restante dos meus dias documentando essa gente sofrida e trabalhadora. inclusive ainda não desisti do projeto, já que não sei bem o que fazer da vida, agora que todos meus trabalhos acabaram.
voltando ao sul, a viagem durou uns 3 ou 4 dias e, após bater muita perna durante o dia inteiro, chegava a inevitável hora de nos recolhermos. antes de subir pro quarto, vinho no tal jardim, que nessa hora nos presenteava com personalíssimo vento sul contra o banco no qual sentávamos eu, checho e mais dois camaradas.
não me lembro da última vez em que havia dividido um quarto com outro homem. nesse tinha duas camas de solteiro, com abajures e criados-mudos as separando. sir winston gonzales dobrou cuidadosamente sua camisa de flanela vermelha e se deitou com respeito, organização e agradável silêncio.
eu assaltei uma longui néti de saideira no frigobar e me deitei de qualquer jeito. adormeci sem contar pra ele que roncava mais que uma brasília 77 com o motor batendo, que não dormia mais de 3 horas seguidas e que tenho o péssimo hábito de acordar berrando durante a madrugada.
pois todas a noites da viagem, de 3 em 3 horas, nos comunicávamos da seguinte maneira:
– AAAAAAAAH! AAAAAAAAAAAAH! – isso sou eu gritando.
– MATIRDA! MATIIIIIIRDA! – esse era o amigo acordando assustado, sem entender muito bem onde estava, pedindo socorro da esposa que, pro seu mais completo azar, estava tão longe.
eu não sei como o checho ainda olha pra minha cara, tem que ser muito gente fina mesmo e ter a educação típica de um sir.
dsclp, checho.
Cássio de Oliveira Almeida says:
hahahaha muito bom, JB.
17 de June de 2020 — 16:06
Vera says:
Conheci o Checho na década de 90 quando ele trabalhava em uma loja de discos na galeria Presidente. Uma pessoa muito bacana. Muitos anos depois o reencontrei na Comedoria no mercado de Pinheiros.
18 de June de 2020 — 08:50
RowLobo says:
A divulgação do trabalho do MST por pessoas com credibilidade – e “boa aceitação” nos dois lados ideológicos – é importantíssima.
É um trabalho hercúleo tentar explicar a mecânica do MST aos seres que só sabem espumar pela boca “invasores! comunistas!”.
Obrigado, JB. Não abandone o projeto não!
A cena final fechou com chave de ouro.
hahahaha!
Abraço!
22 de June de 2020 — 12:42
Alexandre Faja says:
Pqp…..hahaha…ótimo Julio, chorei aqui imaginando a cena…
22 de June de 2020 — 13:31