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Boteco do JB

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domingo

cresci numa época em que o domingo era celebrado em família, com mesa farta. embora vez ou outra pintava uns frangão assado daora, não era nem a qualidade da comida que importava, mas sim a reunião entre familiares e agregados.

hoje nem família há mais. vivemos sob a era dos solitários que sobrevivem à base do delivery.

eu? sempre fui só, filho único. adolescência, anos 80, feira livre. domingo era o dia de maior movimento. me contentava ajudando a alimentar as tais famílias cujas características se perderam. sempre gostei de servir.

dois de fevereiro de 2020, outro milênio, domingo de novo. se pudesse voltar no tempo, estaria numa banca de feira em osasco nesse instante. jamais conheci tanta gente decente depois, em tantos lugares em que passei, em áreas tão diferentes.

mas acordei disposto e devo ir pra cozinha em algum momento. estou escrevendo novo livro com receitas e crônicas de comida, em homenagem à nina horta, a maior de todas.

nina era exímia bebedora de martinis e já tive o prazer de preparar alguns pra ela, que chegou a topar escrever o posfácio da mão que balança o copo, meu livro sobre cocktails. infelizmente sua saúde não permitiu que isso ocorresse.

queria passar o fim de tarde no cu do padre, antigo boteco no largo da batata, onde dois respeitáveis senhores faziam malabares com gelo muito antes da famigerada expressão flair ser cunhada por alguns. era lá que tinha a domingueira, nada menos que uma deliciosa caipira de limão com maracujá. a minha com pouco açúcar, os velhos sabiam de cor. pra comer? provolone, calabresa ou provolone com calabresa. no prato ou no pão. os velhos se foram e o filho de um deles, que tocava bateria numa banda de blues onde se posicionava corretamente no palco (na frente dos outros músicos), chegou a tocar também o negócio por um tempo, mas logo desistiu. que derrota.

afinal, o que é a vida?

o espaço físico onde já foi o bar hoje pertence a um grupo que se dedica a foder de cabo a rabo bares históricos da cidade e ainda tem a cara de pau de manter os nomes originais, capitalizando toscamente em cima de histórias boêmias. toda vez que entro numa locação dessas – que é o que virou, uma locação – me bate uma angústia danada. se existir uma pós-vida, desejo profundamente que os sócios desse grupo passem toda eternidade arrastando correntes em tardes de um sábado sem fim no bar brahma. poucas visões de inferno são mais aterrorizantes que essa.

com essa história de testar receita pro livro, tem sobrado um tanto de comida aqui em casa, já que sigo vivendo só. costumo distribuir a alguns moradores de rua aqui do centro, que não ligam muito. às vezes uma garrafa de pinga conforta mais. nunca houve tantos deles e a impressão que passam é que sempre estão a um passo do suicídio. em seguida devo beber uns campari na esquina suja na região da duque de caxias cujo endereço certinho jamais darei pra ninguém. é lá que resmungo sozinho o saudosismo de uma cidade que só existe ainda na minha cabeça.

e você? onde passa o domingo?

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