certa vez achei um pequeno lugar onde funcionava uma igreja evangélica. pois lá entrei, não rezei e pensei comigo mesmo que daria um belo izakaya. conversei com o pastor, que me confessou que seu negócio ia tão bem que logo teria que se mudar para imóvel maior. e eu sabia quem tava procurando ponto justamente pro tipo de negócio que imaginei. como era morador do bairro, fiz a ponte muito por interesse próprio e pronto. deu super certo.
amém?
bom, ir lá toda semana era uma das poucas coisas boas que pinheiros me oferecia. o izakaya e um pequeno sushi-ya ao lado, do qual sou freguês desde sua inauguração (se não me falha a esclerosada memória, cometida em 2005), aliviavam um bocado a angústia de morar num pedaço que se transformava rapidamente numa praça de alimentação de shopping.
já fui embora há algum tempo e hoje me considero um homem do centro, lugar onde me encontrei. mas vira e volta retorno aos lugares por onde passei. pra olhar pra frente é preciso reconhecer o passado.
ontem mesmo fui ao izakaya no qual não consegui entrar pela terceira vez, de tão estrumbado de gente que tava. erro de principiante, o meu, que sei da prosperidade do negócio e jamais deveria estar lá às 20h de uma sexta-feira.
acontece que tava azul de fome e acabei entrando no sushi-ya ao lado, pertencente a um dos profissionais da área que mais respeito. 50 anos de carreira não são 50 dias.
embora lá tenha conseguido sentar – andar sozinho tem suas vantagens – foi outro tiro n’água, por motivos parecidos, com o adicional de ter a sensação de ter cansado um pouco a mais que o necessário o velho amigo. comi um pouco a menos que gostaria, gastei um pouco a mais que podia, tomei uma dose de semancol e fui embora.
promoção de 50% de desconto em cervejas no mercadinho do seo abílio. programa de velho, eu sei. claro que devido ao adiantado do horário, os rótulos bons já tinham se esgotado. sem contar que a oferta era válida apenas para clientes mais. o cadastro pra se tornar isso se revelou um verdadeiro pesadelo kafkiano pra mim, o ancião burro sem timing com uma garrafa de sake na cabeça.
hora de jogar as cerveja bosta adquiridas na bolsa e voltar pra casa, tentar virar o jogo, etc. já na aldeia de onde devo sair cada vez menos, parada pra uma série de bons chopp sour num bar com várias torneiras bem abastecidas perto da roosevelt.
o bom azedume da bebida trouxe o conforto que eu buscava. e pensar que ele estava há poucos passos de onde moro…
esse texto é sobre sensação de pertencimento. uma vez que saia do seu habitat, se ligue e tome as devidas precauções, tais como cuidado com os horários. mesmo que você tenha relação afetiva com o pedaço que por muitas vezes não tem mais nada a ver contigo. não seja um amador como fui, não pague de turista bobo.
mas que é gostoso voltar pra casa, isso é. o lugar que você pertence é o lugar onde você está.
Mauricio says:
Aos poucos fui entendendo por que você não abre o jogo diretamente sobre os nomes dos lugares que foi e gostou. Tudo que você coloca a mão parece virar ouro. E ouro significa classe média paulistana lotando os lugares, crianças chorando, selfies infindáveis. A calmaria acaba e os prazeres do comer e beber bem diminuem. Tu criou um jogo um pouco cifrado, para que só os mais interessados descubram o mapa da mina.
15 de February de 2020 — 16:17
Igor says:
“Classe média” disse o classe média. Infelizmente sensação de não pertencimento
16 de February de 2020 — 21:43
Mauricio says:
Interessante como vc me conhece tão bem.
Não esquecer do adjetivo “paulistana”, que envolve mais coisas do que somente o sentido geográfico.
Para bom leitor não precisaria dar essa explicação.
17 de February de 2020 — 13:52
caipira says:
No final das contas, bar bom é bar perto! Ensinamento que se enraíza cada vez mais em minha vida.
Abraço JB
15 de February de 2020 — 18:30