das 37 plantas, deve ter morrido 4 ou 5, acho eu. admito a incompetência em distinguir a diferença entre vida e morte nesse universo, mas sigo as regando religiosamente dia sim, dia não. imagino que mal não deva fazer, apesar de desconfiar que algumas delas morreram por excesso d’água. toda vida é única e merece atenção especial, mas sei que talvez elas tenham morrido pela absoluta falta de interesse provocada pelo meu nocivo egoísmo. gosto de imaginar que as sobreviventes estejam transando a natureza morta tal como se testemunhassem um estranho velório. o que me remete a madrugada de 27 de julho de 1997, quando uma boa alma familiar acendeu incensos pra mascarar o cheiro que exalava do cadáver daquele que um dia foi meu saudoso pai, no velório celebrado no cemitério da lapa, onde minha bondosa mãe também foi enterrada tantos anos depois. essas e outras lembranças me assombram enquanto rego as plantas vivas e mortas, dia sim, dia não.
após usar por um mês uma jarra de suco que tinha aqui no apartamento finalmente comprei bonito regador azul por 19,90, numa loja na alameda barros que vende produtos para plantas e cães. enciumado por não ter ganho nenhum biscoitinho, o pug petisco fez um buraco bem na ponta do objeto, o que faz com que saia água por mais lugares que o esperado durante a tarefa que acaba por molhar paredes, taco e móveis ao redor do alvo pretendido. é muito buraco pra pouca planta. entendo o lado canino e desde então não deixo mais faltar quitutes para o pequeno que inclusive se recupera de uma lamentável dermatite que a princípio pensei ter sido causada por alguma das verdes, mas os exames apontaram para outros caminhos.
é natural que o apartamento antigo peça por um outro reparo, ainda mais quando invadido por esse intruso que vos escreve. a real é que o lugar ainda não é meu, tem tempo pra tudo.
mas o tempo do portador de esclerose múltipla é outro. além de algumas lâmpadas que precisam ser trocadas, um pequeno ajuste no simpático fogão que também já tava aqui – o meu, que mais parecia uma nave espacial, foi doado a uma senhora que ficou muito feliz da vida – e mais pitoresca questão torneiral a ser resolvida, ainda não tirei os quadros do plástico bolha. todo santo dia olho pra eles e imagino os seus lugares nos cantos das paredes. sinto que só quando os pendurar me sentirei como legítimo morador desse belo apartamento em santa cecília.
bairro esse que por sua vez me comove feito o diabo. dos poucos lugares na cidade que cultivam hábitos de vila, mas ao mesmo tempo pertence ao grande centro. tenho o melhor dos dois lados ao alcance dos meus cansados pés que aos poucos voltam a pisar firme, após duas recentes quedas que se foram obviamente lamentáveis por um lado, por outro me proporcionaram conhecer pessoas deveras decentes na santa casa da misericórdia, que fica entre a morada atual e a antiga, na vizinha vila buarque. saber que estou ao lado do hospital público que tão bem me acolheu quando tanto precisava me causa um bem estar danado.
embora meus últimos trabalhos físicos tenham rendido bons frutos a saída deles não foi nenhum pouco satisfatória para o lado mais fraco – eu, no caso – e no momento tento tocar alguns projetos internéticos. a ideia de ganhar algum gerando conteúdo não é nova e, se não der certo, tenho prontinho na cuca o plano da porta de frango frito. o sangue do comércio ainda pulsa nas minhas veias e não seria problema retornar para as ruas. voltar a trabalhar pros outros, só se me identificar de maneira monstra com a probosta do suposto empregador.
por enquanto, vou trabalhando aqui de casa. uia! já tô até chamando de casa! que bom, que alívio. salve, salve o ato falho de cada dia.
acho que semana que vem pendurarei alguns quadros. tenho a impressão de que eles não se incomodarão, muito pelo contrário.