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Boteco do JB

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os fantasmas se divertem

acho que foi por volta do começo da última década do século final do milênio passado que passei a pegar mais pesado no álcool. disputava com respeitáveis senhores barrigudos por um lugar em pé encostado no balcão do bar localizado na esquina das andradas com a aurora. a bebida oficial era um bem tirado chopp de marca que hoje não aprecio mais.

o foco ali nem era a bebida, mas sim o papo entre velhos boêmios. novo e sabendo do meu lugar, mais escutava que falava. aprendi muito com as histórias sobre o quadrilátero do pecado, também conhecido como boca do lixo, com o espírito de joão antônio abençoando a todos nós.

pra acompanhar o chopp, imbatíveis canapés preparados com esmero pelo seo luiz, que trabalhou no bar por muito tempo. ali deu expediente até depois de completar 90 anos. exemplo de quem trabalha por vocação, tão diferente de parte dessa molecada de hoje que permanece apenas por poucos meses num emprego e tem mais compromisso com a caixinha do que com o sagrado ofício.

após o pontual fechamento às 20h, caminhava em direção ao número 677 da avenida são joão, esquina com a ipiranga. embora a qualidade dos produtos servidos fosse mais fraca que as últimas duplas de zaga da associação portuguesa de desportos, o longo balcão era um dos mais bonitos que essa cidade já teve. já um tanto ébrio, passava horas sentado num dos bancos, contemplando a vista de frente pro bar.

quando chegava aquela hora mais adultona subia até o elegante anexo, que também tinha discreta entrada pela ipiranga. uma taça de dry martini na mão, bom som ambiente do piano de cauda no ouvido e nítida embriaguez nos olhos confortavam a alma noturna.

muito tempo se passou e atualmente os bares pertencem a um grupo que se dedica a destruir com uma força júniorbaiânística a memória boêmia paulistana, acabando assim com lugares que deveriam ser tratados como patrimônio imaterial da cidade. não sobra copo sobre copo.

o bar da aurora ampliou e abriu filiais (!) e o da são joão aposentou o balcão, que deve estar apodrecendo no andar superior junto com a alma do sócio principal, que claramente foi vendida a satã. eu sei que o príncipe das trevas já fez negócios melhores – como na ocasião em que prometeu uma sobrevida ao meia paulo henrique ganso no fluminense – mas considere que nossa época tá um tanto difícil, dê um desconto pro seo coiso.

a quarentena causada pela catastrófica pandemia que nos assola provocou uma crise que vem decretando inúmeras falências e nessa semana chegou a ser divulgada a notícia de fechamento definitivo do bar brahma. mas era fake news, é preciso tomar cada vez mais cuidado pra se informar direito. de qualquer forma, seguirei não frequentando a espelunca que faz tempo que se tornou verdadeiro símbolo de macumba pra turista.

prefiro beber ao lado dos fantasmas que frequentaram os balcões de um passado nem tão distante. aliás, o bartender poderia me servir mais um whisky, por favor? não precisa trocar o copo, não. só me traz mais uma pedra de gelo, se puder.

que plínio marcos tenha piedade dessa nação.

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