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Boteco do JB

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ao mestre com carinho

sair pra comer tornou-se tarefa um tanto chata, menos pelos profissionais da área, mais pelos comensais famintos pelo próximo click

mas nem sempre foi assim

quando haraguchi san chegou no brasil para abrir restaurante classudo, no fim dos anos 70, já era chefe de cozinha consagrado e cheio de diplomas

foi só com ele, por exemplo, que tive coragem de comer fugu, aquele baiacu estiloso que dá ruim se você comer a parte errada do bicho

haraguchi san é do tempo em que servir bem é uma honra para os dois lados do balcão e dei uma sorte danada por passar bons bocados ao seu lado

um dos momentos mais legais da rica história da gastronomia japonesa em são paulo ocorreu no subsolo de um shopping na avenida paulista e lá, entre outros lugares muitos legais, ficava o singelo miyabi, onde o talentoso artesão entregava pequenas jóias em forma de comida

a mudança de endereço não fez muito bem ao negócio e logo foi aberto um grande restaurante na liberdade, com nome em homenagem ao seu mestre

o novo endereço só não era maior que a generosidade do cozinheiro, que sempre arrumava um jeito de atender cada freguês como se fosse único

embora fosse conhecido mais por seus molhos quentes, jamais comi shari com tempero tão especial quanto o dele e isso era coisa que quem conhece comida evitava falar, pra não transformar a vida dele num inferno logístico

se bem que nunca o vi brabo. qualquer hora em que se chegasse no ban, certo era que a recepção seria com seu tímido sorriso

além de tudo, um grande parceiro de copo. embora não dominássemos um o idioma do outro, a linguagem universal da boa mesa e boêmia nos unia

nunca esquecerei, por exemplo, do dia em que me puxou pelo braço no balcão do kintarô, alegando que queria cozinhar pra mim e que lá tinha bebida também. ou do unagui don que preparou na noite do meu aniversário que tinha tudo pra ser apenas mais um 31/12 solitário

infelizmente o feroz mercado imobiliário nos tirou o ban há alguns anos

2022 era pra ser o ano do retorno de haraguchi san a um elegante balcão, a obra já tava entregue e as (lindas!) louças compradas

mas o destino fez com que o amigo nos deixasse antes da inauguração do restaurante que não existirá mais

sou péssimo em lidar com esse tipo de situação e só ontem – 5 noites após sua morte – fui dar um abraço na margarida san, a batchan que me adotou e revolucionou a cultura dos izakayas no brasil, além de ter sido casada por 35 anos com nosso herói que partiu aos 68

sou do time que acha que a morte só ocorre quando a vida é esquecida, e a memória de haraguchi é mais que importante, mas sim necessária no dia de hoje

que seu espírito nos contemple

obrigado por tudo e kampai, haraguchi san!

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