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Boteco do JB

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gol a gol

frequento estádios desde o começo dos anos 80, mais especificamente os jogos do são paulo futebol clube. acompanhei a escalada do time rumo ao auge de sua história, a inevitável queda e a surpreendente pior fase de todos os tempos.

quando tinha jogo no domingo no morumbi, o dia inteiro era dedicado a essa atividade. como meu pai tinha uma fábrica de lingüiças que atendia desde a linha especial do supermercado chique até os perueiros e ambulantes, eu sabia de cor o mapeamento de todas as barracas de sanduíche ao redor do estádio. se alguém estivesse interessado em saber quem fazia um bom trampo e quem era do 171 era só colar na minha pra passar de ano. eu sempre estava em uma das – boas – barracas comendo pernil e bebendo um troço. era o esquenta, que pra mim começava pouco depois do meio-dia.

a cerca de 50 minutos para o início do espetáculo era chegada a hora de entrar. podia ser na cativa ou na arquibancada, dependia do jogo e da companhia da tarde.

claro que preferia ficar na arquibancada. enquanto as torcidas organizadas faziam um furdunço atrás do gol, a mim importava mais o jogo, que sempre via do lado do campo onde o são paulo estivesse atacando, me movendo de um canto ao outro no intervalo. por muitos anos a alta qualidade da performance do time era tão certa quanto a marcação da batida de ringo starr, a maior parte das vezes acompanhada de gols e vitórias. e metade do estádio era nosso.

sim, metade. talvez os mais jovens não saibam, mas os anciões tem a obrigação moral de não esquecer de tempos mais civilizados, em que os jogos eram jogados em campo e a arquibancada era sinônimo de democracia.

após o jogo, a melhor mesa redonda ocorria entre os próprios torcedores nas mesmas barracas do esquenta. e mais à noite, já em casa, tínhamos paciência pra ver o vt do jogo numa emissora qualquer. poucos namoros e casamentos sobreviveram ao vício.

a cretinice do caralho começou quando tiraram nosso direito de beber cerveja bosta quente dentro do estádio. em vez de melhorarem o serviço lixão, proibiram a parada, embora os banheiros ainda exalem a bebida.

depois tiraram todas as barracas ao redor do estádio. era só legalizar e dar condições para os ambulantes que só queriam trabalhar. mas, pro político médio brasileiro, interessa mais tirar o sofá da sala que resolver o problema. sob a sombra das ruas paralelas em direção ao butantã agora há towners vendendo uns troços, mas a referência e o romantismo deixaram de existir. mais que isso, não há mais a comunhão entre torcedores.

claro que rolavam brigas, mas apenas pra quem procurasse. eu mesmo nunca me envolvi em nenhuma. elas continuam acontecendo, agora em avenidas e estações de metrô, mais uma coisa que o governo não resolveu.

governos estúpidos que tiraram toda a graça do programa, ao decretar arbitrariamente que os jogos devem ser de uma torcida só. culparam o espectador não sei de que e agora as torcidas organizadas saíram de trás do gol para ocupar o centro do campo, numa atitude pra lá de egoísta, já que elas se importam mais com elas mesmas que com o jogo. pra que ficar com a melhor visão, então?

jogo de uma torcida só, sem a barraca de pernil que gosto na frente do estádio, pra mim, não dá. deixei de acompanhar os campeonatos e é muito raro eu ir ao estádio. até porque a maior parte dos jogadores – de todos os times – não colaboram muito para o espetáculo, trocaram o amor pelo escudo do time pela nossa senhora do bom cifrão. crucifixo no peito, dinheiro na mão e calcinha no chão. não os chamarei de putas porque qualquer profissional da noite deve ser mais respeitada que neymar e companhia.

mas a principal novidade do futebol é a volta dos campeonatos em plena escalada ao pico da maior catástrofe sanitária da história do mundo num país com problemas gravíssimos de desigualdade social, colocando em risco direta e indiretamente a vida de centenas de pessoas. não pense no jogador milionário que tem condições de se tratar no hospital caro, e sim no gandula, nas famílias dos faxineiros, etc. é muito escrota essa política do circo sem vacina, nem pão.

mas, se o show deve continuar, apesar de tudo, permita-me uma sugestão. disputemos os campeonatos desse ano na clássica forma de gol a gol. só 2 homens em campo, sem mais ninguém. tem tudo pra ser divertido e quem sabe não pinta um novo éder aleixo? o melhor jogador em campo ganha o troféu patada atômica e um toca-fitas roadstar com equalizador tojo.

o perdedor apaga as luzes e tranca o estádio. pode deixar as chaves embaixo do tapete coberto de sangue.

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